sábado, dezembro 18, 2004

A viagem


As minhas pernas andavam para a frente, apesar de não saber o destino. Sentia-me cansada, pesada. Era de noite, acho eu. Estava escuro, isso eu sei. Não sei há quanto tempo as minhas pernas andavam para a frente. Meses? Anos? Há muito tempo, seguramente. Volta e meia, cruzava-me com gente. Gente que não conhecia. Com quem não falava. Eu sorria. Eles também… alguns, alguns sorriam. E as minhas pernas continuavam a andar para a frente.

Levei a mão ao cabelo. Estava áspero. Já não me lembrava do meu aspecto. Não havia espelhos. Também, não era importante. Relevante, era que as minhas pernas andavam… para a frente. Estava frio. Estava escuro. E eu, já nem sei se queria chegar. Às vezes apetecia-me desistir, de tão cansada me sentia. Mas as minhas pernas nunca paravam. Não me conseguia sentar, deitar, descansar. Estava sempre de pé e as minhas pernas andavam sempre para a frente. E, no caminho que percorriam, nada me chamava a atenção, nada me despertava o interesse.

Até que vi claridade, ao longe, de um dos lados do meu caminho. Senti os olhos a espelhar. Senti o corpo a espertar. Senti as pernas. Eram minhas de novo e começavam a andar para onde eu queria. Para a claridade. Acho que comecei mesmo a correr. Acho que comecei mesmo a acenar às pessoas com quem me cruzava. Paravam, olhavam para mim, sem perceber o que se passava. Acho que me cruzei mesmo, com um espelho. Vi-me de relance. Não estava assim tão mal, pensei. E corri, corri, corri… em cima das minhas pernas, finalmente para onde eu queria.

Abrandei o passo, porque ouvi qualquer coisa. Eram sinos. Eram sinos, ao longe. Gostei. Sorri. Continuei, trôpega mas decidida. Cruzava-me com gente que acenava, sorria… para mim. Cada vez, mais gente. Cada vez, mais acenos. Cada vez, mais sorrisos. Cada vez, mais luz. Cada vez, mais vontade de chegar.

Deparei-me então com um portão imenso, escuro, velho e fechado. Tentava abri-lo em vão. Desesperava. Sentei-me encostada a ele, esmorecida e escondi o rosto sobre os joelhos. Não sei quanto tempo fiquei assim. Mas voltei a ouvi-los, aos sinos e levantei a cabeça. Levantei o corpo. Afastei-me do portão e olhei por cima dele. Luz. Emocionei-me. Senti o corpo arrepiar. E os meus olhos foram capazes de chorar. Sem esconder as lágrimas, pedi ajuda para abrir o portão, que ninguém tinha visto antes. Juntaram-se quatro ou cinco pessoas e o portão abriu. Eu entrei devagarinho, as pessoas ficaram para trás, acenando, sorrindo, desejando sorte.

Fui andando devagarinho, debaixo daquele sol morno, olhando para um lado, olhando para o outro. Vi a igreja branca. Vi finalmente os sinos. Em frente à igreja, havia uma casa velha. Entrei. Subi as escadas. Ouvi de novo, os sinos, agora cúmplices. Num dos quartos da casa, estavam três camas. Aproximei-me delas. Comovi-me tanto que as minhas pernas fraquejaram. Sentei-me na bordinha da primeira cama e observei-os. Dormiam em paz. Quentinhos. Os meus filhos. Por trás das portadas de madeira espreitava a luz desenhando sombras sobre as camas. Levantei-me, aconcheguei-os, senti-lhes o cheiro do cabelo e apesar de já ser de dia, fui-me deitar. Fui descansar.

Cheguei, finalmente.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Mais uma Primeira Vez


Sentei-me no chão, em frente à lareira, com os pés descalços, a tocar no tijolo morno e fiquei assim… até sentir o rosto lambido pelo calor das chamas. Dançavam vaidosas em cores alegres, as chamas. Ateei-as, provoquei-as.

Estavam as chamas vaidosas e eu, de queixo duro e olhos caídos mas secos. Estavam também imagens com formas, sem formas, que ondulavam num vaivém involuntário, para dentro e para fora da minha memória. Sem pedir licença, sem deixarem marca ou lugar marcado, as imagens, com formas e sem formas, com rosto e sem rosto.

Havia uma palavra que persistia: fantasia.

Havia uma tristeza descaradamente real que me tirava a força: amanhã não posso ir à festa de Natal da escola, dos meus filhos. É a primeira vez que não vou. Mais uma, primeira vez.

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Não era este o post destinado ao meu regresso, a estas lides. Mas foi o que me apeteceu agora e decidi assim. Melhores dias virão. Beijinhos a todos. E sim, tenho andado por aí a ler-vos. Apenas não tenho tido tempo para reagir.

Sintam um abraço.

sexta-feira, outubro 22, 2004

Aos meus leitores habituais

Estou sem pc. Devo andar arredada uns tempos.
Nada de se preocuparem, ok?
Esta tudo bem.

Ate um dia (espero que bem proximo).

domingo, outubro 10, 2004

Cidália


De cabelo imenso, comprido, volumoso, seco. Cor de palha, mesmo. Podia ser bonito, muito bonito, se fosse bem tratado. A pele do rosto, de mulher jovem, borbulhosa de quando em vez, nada seca, plena de vida ainda. A apresentação, quase sempre descuidada. Duvido que não fosse vaidosa, que não gostasse de andar sempre bem. Apenas, não podia, não tinha forma de o fazer. Não era feia. Parece-me até que era bonita. Ou teria condições genuínas para o ser. A idade? Não sei exactamente, mas mais de 26 ou 28, não tinha seguramente.

Quatro, eram os filhos que tinha. Dois rapazes e depois, duas meninas. O Miguel… o Miguel… porra!... que saudades tenho eu do Miguel. Dos pulos que me dava para a cintura. Da força com que me enlaçava as pernas. Dos beijos repenicados, com aqueles lábios sempre húmidos que me besuntavam toda. Tem piolhos, diziam-me frequentemente. Tem piolhos. Se os tinha, eram dele… nunca passaram para aqui, nem nunca tive medo que passassem. Dava tudo por aqueles abraços. Nem com os ciúmes dos meus filhos me importava. O Miguel, nos seus 6 anitos, de olhos vivos, negros, imensos de tamanho e brilho. Esmoreciam apenas quando estava doente. Percebia logo que não estava bem, pelos olhos. Bastava-me confirmar com a Cidália, para saber que não estava enganada. E preocupava-me tanto, durante dois ou três dias, o tempo que ele demorava a ficar bom. Por vezes, dava comigo a adivinhá-lo limpinho, de unhas cortadinhas, caracóis sedosos (sempre me fascinaram os cabelos encaracolados), perfumado. Mas o Miguel era filho da Cidália e melhor mãe que ela não podia ter.

Recordo as conversas que tinha com a Cidália. Eu na minha pose de senhora de bem, que não tem onde cair morta. Ela, confidente. Eu conselheira. Ela, ainda mais confidente. Não éramos amigas. E ela, de facto, estava sozinha. A Cidália estava sozinha. Tinha os dois rapazes com ela. Viviam num barracão qualquer, que eu nunca consegui ir ver, apesar dos imensos convites que me fazia. As duas meninas, estavam num colégio qualquer, onde ela também já tinha estado até aos seus 13 anos.

- Elas estão bem. Oxalá consigam aproveitar a oportunidade e se façam lá mulherzinhas como deve ser. Que era o que eu podia ter sido se a minha avó não me tivesse lá ido buscar para trabalhar no campo.

Era o que me dizia frequentemente, quando conversávamos. Os meninos também já tinham estado num lar qualquer. Mas não estavam bem. Um dia foi visitá-los e encontrou o Miguel meio despido. O Zé, o mais velho, tipo bicho, sem soltar uma palavra. Queria trazê-los logo. Chamaram mesmo a GNR. Não os deixaram trazer nesse dia. Enquanto não resolveu o assunto, não veio para casa. Adivinhou-a sozinha, longe de casa, sem dinheiro, desesperada. Nem consigo imaginar onde terá dormido, o que terá comido. Só consigo imaginá-la a chorar, a suplicar que lhe dessem os filhos, que não estavam bem. Na verdade, eles vieram. Foi no Natal, de há 2 anos. Foram recebidos como príncipes, na festa da escola. E o Miguel, saltou-me para a cintura, nas suas pernas decididas, orgulhando-me de morte, fazendo-me sentir uma privilegiada, porque aquelas pernas não apertavam mais nenhuma cintura, senão a minha. Meu querido Miguel.

Passados um, dois anos, não sei, queriam tirar-lhe os meninos outra vez. Que estariam melhor num colégio, que ela não os alimentava bem, que andavam muito sujos, mal vestidos. A Cidália andava a varrer as ruas, na altura. Ganhava algum dinheiro. Os filhos iam à escola todos os dias. Almoçavam na escola todos os dias. A Cidália pagava os almoços todos os dias. Porra!... não andavam limpinhos, não senhor. Nem perfumados, nem bem vestidos… mas eram felizes, riam, sorriam, brilhava-lhes o olhar. Tribunal para aqui, tribunal para ali e a Cidália tinha que arranjar casa em condições para viver com eles. Duas casas foram-lhe negadas ser arrendadas. A ela, só porque era a ela. A Cidália não tinha mãe e mais valia não ter pai. A Cidália não tinha amigos. A Cidália não me tinha a mim. A Cidália estava sozinha.

Um dia apareceu-lhe aquele que foi o seu primeiro namorado, agora homem descomprometido. A Cidália foi com ele e levou os filhos. O homem tinha uma casa. Era o que ela precisava para não lhe tirarem os filhos.

Ao Miguel e ao Zé, nunca mais os vi. A ela, sim. A ele, também. Uma vez. Foi quanto bastou para perceber, que a Cidália realmente precisava de uma casa. Era só da casa, que ela precisava, não era de homem nenhum. Não consigo imaginar os olhos do Miguel a brilhar, nem os do Zé, nem os da Cidália… e queria tanto conseguir.


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Cada vez mais, me sinto incapaz de julgar os outros pelas aparências, pela roupa de marca que usam, pelo perfume, pelo carro, pela casa, pela actividade profissional, em suma... pelo estilo de vida. Cada vez mais, preciso de ouvir de viva voz, de olhar nos olhos, de tocar e de me abandonar ao contexto das situações, para conseguir julgar. Mesmo assim, nunca consigo. Limito-me a aceitar as pessoas como são, com tranquilidade. Ricos, pobres, bem vestidos, mal vestidos, mais ou menos perfumados... nao interessa. São pessoas. E se são pessoas de bem, merecem todo o carinho, todo o respeito. E porra!... não há piolho nenhum que me demova. Há 6 meses que não vejo o Miguel e chora-me tudo de saudade.

sábado, outubro 09, 2004

Plena de ritmos diversos


Plena de ritmos e registos diversos. Na primeira pessoas, mais uma vez. É como vou escrever, hoje.

Telefone. Foi o primeiro pensamento que tive. Ainda com a visão turva, auxiliei-me do tacto para descobrir o raio do telefone, sobre a cama. Carreguei num qualquer botão para desligar o “despertar”. Continuou a tocar. Foje!... já a telefonarem?!... Foi o segundo pensamento que tive. Bom… funcionou à mesma. Despertei. Levantei-me da cama. E não, não estive muito tempo ao telefone. Quando acordo, não me obriguem a falar, por favor… não na primeira meia hora.

Por isso, esse pedaço de tempo é o momento mais silencioso desta casa. Fazem-se apenas, as perguntas essenciais, de preferência, formuladas de forma a que as respostas, se resumam a um “sim” ou a um “não”. Está finalmente e felizmente, instituído.

Segue-se a preparação dos pequenos almoços. Cada um, quer sempre uma coisa diferente, o que dá uma trabalheira desgraçada. Abro o micro-ondas. Ponho o leite a aquecer. Enquanto aquece, vou buscar os cereais. Prato, leite, colher… não sei quantos passos até à mesa, sempre com qualquer coisa entalada entre o braço e o corpo, para evitar maior número de viagens. Apita o micro-ondas, ainda não voltei. Faço a papa. Faço a sandes. Preparo o leite. Mais não sei quantas viagens até à mesa. Meninos!... Mesa. É sempre o que digo. Sem conversas, nem confusões, todos se sentam. O barulho de fundo é sempre a televisão, que já alguém ligou, baixinho. O mais baixinho, possível.

Como qualquer coisa. Fumo então o meu primeiro cigarro. Bebo o meu primeiro café. E começou o dia. Começam as conversas. Começa a confusão. Reunião familiar na casa de banho. O som da água a correr. Os desencontros de interesses. Não quero essa roupa. É esta que vais levar. Às vezes acertamos logo. Outras vezes, tem que se fazer logo ali, a primeira negociação do dia. Se demora muito, tenho que me sentar. E se estou com pressa… não me sento, nem negoceio. É aquela e mais nada. Ajudo a vestir. Amanso a rebeldia daqueles caracóis imensos (que trabalheira) que teimo em não cortar (seria um crime). E no fim, sou eu. Com o tempo que resta, lá visto as calças, enfio-me dentro da t-shirt, aplico os cremes da ordem e com sorte, ainda tenho 2 segundos para me olhar no espelho e pensar: tá porreiro ou… tá uma merda. Em qualquer das duas situações, avanço para a tarefa seguinte. Hoje, estava porreiro.

Até à hora do almoço, pouca coisa a registar. A televisão foi a protagonista. A breve saída, decorreu sem incidentes. A seguir ao almoço, é que foram elas. Quatro tarefas a realizar, até ao final da tarde. Água, chucha e fralda, telemóvel, tabaco, chapéus… Já todos têm o chapéu? Tudo para dentro do carro. Marcha-atrás… vai descendo. Eu à conversa com ele. Elas muito amiguinhas. Estarão doentes? Lembro-me de ter pensado. Sempre à conversa, a olhar de quando em vez, pelo retrovisor, a ver quando é que aquilo, passava da risota para a choradeira. Manteve-se assim. Saíram do carro de mão dada. Ele, a refilar que tinha estacionado o carro muito longe… que tínhamos que andar muito. Vamos embora, à minha frente. Não quero nenhum para trás (que eu para trás, não vejo nada e ainda perco algum pelo caminho). Fizemos o caminho bem dispostos e saltitantes. Tive até tempo para observar o que se passava à minha volta, o que não é de todo, frequente. Entreguei-me a pensamentos breves, mas profundos, não me chegando contudo, a distrair. Fomos buscar o que tínhamos que trazer. Ainda tivemos tempo para conversar com estranhos e passar na papelaria. À vinda, já era ele que vinha de mão dada com a pequenina e eu, com a do meio. Quando cheguei ao carro, vi que já estava atrasada. Toca o telemóvel. Ok. Já sei que estou atrasada. É sempre a mesma coisa? Não percebo então, a admiração. Contarão as pessoas que eu mude ainda mais, com 41 anos de idade? Contentem-se com o meu sincero esforço, por favor. Mudança brusca de humor. Grrr… que raiva.

Um trânsito desgraçado. De onde é que saiu isto tudo? Jesus!... a que horas vou eu chegar a casa? Apanhei uma porra de um tractor pelo caminho, que não consegui ultrapassar. E que todos os outros que vinham atrás de mim, me fizeram questão de mostrar que conseguiam. Que se lixe. Virei a cara a todos. Mas os meus filhos, fizeram o favor de me descrever as expressões dos condutores, no momento exacto, do triunfo deles. Por isso, gosto de viajar sozinha, caraças. Só vejo o que quero ver.

Chegámos finalmente a casa. Já estavam à nossa espera. Mudar roupas, e aí foram eles. Eu fiquei. Ainda mandei um mail urgente, para dizer uma coisa urgente e saí, com 15 minutos de atraso. Reunião de pais. Demorada. A maior parte do tempo, estive ausente. E quando estive presente, tive que fazer perguntas em voz alta, para saber a quantas ia. Sim, que não gosto de dar parte de fraca, mas também não gosto de não pescar nada. Conversa para aqui, conversa para ali, que afinal, já não conversávamos para aqui e para ali, desde o fim do ano lectivo. Muitas novidades, pois claro. Muita ânsia de pôr a conversa em dia.

Ok. A quarta tarefa, fica para amanhã. Também é dia. Uff!... estou estafada.

Instintos


O que reconheço melhor, é o instinto maternal. Aquele que me diz que os meus filhos, não estão melhor com mais ninguém, senão comigo. Obviamente, não os quero agarrados às minhas pernas, o que quero dizer é que ninguém os conhece melhor que eu, nas suas capacidades e falta delas. Logo, ninguém melhor que eu, lhes adivinha o pensamento, os receios, as vontades. Ninguém melhor que eu, sabe em que momento devem ser retidos e em que momento devem ser empurrados. E já nem me dou ao trabalho de discutir isto com ninguém (senão com eles) porque a segurança, ao final de quase 10 anos, se tornou praticamente, absoluta.

Reconheço também um outro instinto. Bastam-me dois ou três contactos com alguém, para perceber se acabei de conhecer uma pessoa de bem, ou não. Raramente me engano. E quando me engano, sou avisada com antecedência… pois, exactamente pelo meu instinto. Aqueles avisos que não se conseguem racionalmente, compreender. Estou sempre atenta. E, se sou empurrada para uma tomada de posição, assim esteja ele activo, é mesmo pelo instinto que me oriento.

E o instinto de sobrevivência? É sobre ele, que me encontro introspectiva. Sempre me considerei desenrascada. Com poucas ferramentas, me desembaraço de um qualquer empecilho. A bem dizer, quanto menor é a diversidade de ferramentas que ao meu alcance tenho, maior é o gozo que me proporciona o triunfo.

Mas situações há, que nunca vivi, enquanto adulta. As catástrofes. As guerras. Sendo que destas últimas, ainda me recordo do cheiro a pólvora que se embrenhou no meu olfacto, há sensivelmente, 30 anos. Mas tal como referi, era criança e fui nessa condição, protegida por adultos. Há ainda, os confrontos hostis, com gente que nos quer mal. E porque raramente temos oportunidade de testar simulações nesta matéria, saberemos nós, avaliar o nosso grau de instinto de sobrevivência? Prever as nossas hipóteses de alcance de bons resultados?

Entrego-me a exercícios de adivinhação. Conseguirei eu passar para além, do olhar tresloucado de um malfeitor? Adivinhar-lhe o talento para fazer mal? Conseguirei eu manter o sangue frio, aquele que nunca senti assim? Manter a racionalidade, aquela que nunca tive? Entrego-me a exercícios de adivinhação. Escuto as palavras, tentando emoldurar um estado de espírito, tentando avaliar o grau de agressividade. Desvio a atenção do olhar, que me paralisa o raciocínio. Centro-me nas palavras. Oiço-as uma a uma, apesar de parecer que não lhes dou atenção. Meço-as de acordo com o tom usado. Se me são sussurradas, paraliso novamente. Entrego-me a exercícios de adivinhação. Paralisada. Pronta a fugir, mal encontre um momento de distracção. Planeio. Vacilo. Planeio novamente. E já não vacilo mais. Entrego-me a exercícios de adivinhação, tal e qual um teste, uma simulação. Conseguirei eu sobreviver a um malfeitor? Ah!... seguramente. Porque só é vítima, quem não tem força para lutar, nem forma de a encontrar. E fugir é por vezes, a única forma de vencer.

sexta-feira, outubro 01, 2004

Abriu nova temporada

Eu tentei... a sério que tentei.

Mas afinal, sou mais permissiva do que pensava.
Por isso vou arrepiar caminho.

Abriu nova temporada. Comentários, sim (vamos ver por quanto tempo, eheh).
Porque... porra!... não sou de ferro.
Ele houve de tudo (vamos lá ver se me lembro disto por ordem cronológica).

A minha melhor amiga, com toda a paciência deste mundo, a tentar convencer-me a não tirar os comentários. "Diz antes, que vais deixar de responder", dizia-me ela, aflita.

Invasão à caixa do correio (de pessoas que me conhecem e que até nem comentavam) preocupadas, com o que se estava a passar aqui, com a rapariga.

Um post-comentário, do outro lado do oceano, embrião de formação, da organização (e outras coisas acabadas em "ão")... dizia eu, organização "As quatro mosqueteiras".

A minha agenda telefónica devidamente preenchida (lembram-se da agenda?).

Reconhecimento auditivo do rouxinar do pássaro divino (é delicioso).

Uma "ganda pedra" no sábado passado, que fez alguém levitar até à Segunda-feira a seguir (a ti, bateu-te bem... e não, não me refiro a drogas, poupem-se aos comentários).

A miúda da taxa arreganhada, que é como quem diz, sol aberto, a reclamar em directo, no blog dela e hoje, na minha caixa do correio (continuei sempre a ler-te, linda).

E hoje... dizem-me que eu tenho mau feitio. Porra!... mau feitio?... eu bem digo, que a ti, não te escapa nada. Chiça!...

Ainda hoje... a miúda que levita como uma pena, a reclamar outra vez...

Mas, meus amigos... a quem não resisti mesmo, foi à Bina. Leram bem, à Bina. Ando roidinha de inveja. A rapariga é uma animação. A sério. Também quero... quero-a aqui, no meu blog. Mas olha lá, oh Bina... filha!... se voltas a falar em galinhas, agarro nas minhas 3 Mosqueteiras, e nem o teu Zé te vale. Compreendes?

Pronto. Está decidido. Braços abertos. Continuarei a responder aos comentários. Desculpem lá, qualquer coisinha. Foi mesmo uma questão de protecção. Mas afinal, agora vendo bem... já não me parece que corra perigo algum.

Ah!... mais uma coisa... beijinho grande, Gasolim (só faltavas tu).


quarta-feira, setembro 29, 2004

Em busca da cor


(não são os meus que não escondem nada, são os teus… que vêm tudo)

Conheço esse ar lívido, de quem morre de amor. Embrulhado num vazio imenso, em local sombrio e frio. Fundo. Silencioso. A cor, não existe de facto… porque se perdeu o rasto ao Sol.

São vidas sem sentido, anos sem fim, à espera da segunda morte. De pessoas que não nos ouvem. Que se expressam entre lágrimas teimosas, alternando com uma mudez que as consiga conter. Vivem rodeadas de memórias. Só elas lhes fazem correr o sangue. Enviuvaram. Morreram de amor.

Dói-me. Por vezes, tenho que virar o rosto. Não quero ver. Atiro o meu corpo sobre um qualquer leito, para recuperar forças. Mas mesmo assim, sinto-as… as lágrimas dos outros. Que me pingam sobre o rosto… pesadas, dolorosas. Por isso, não resisto e cedo tantas vezes.

Em busca da cor. Eu procuro sempre o Sol. E gosto de pensar que fiz um pacto secreto com ele. Vendi-lhe a alma, a troco de cor. Não quero que ninguém me volte a ver, com esse ar lívido, de quem morre de amor.

sábado, setembro 25, 2004

Hoje tenho que publicar

A expectativa era grande?
Não. Acho que não.
Expectativa? Não.
Não perguntei em que carro vinham.
De que cor eram as roupas.
Não me lembrei. Não precisei.
Quando as vi… sim, eram elas.
Surpresas? Ok. Uma é loira, eheh.

Ânsia de estar… Sim. Isso, sim.
De abraçar. De tocar. Ver olhos.
Gargalhar. Gargalhar. Ui!... tanto.
De resto…
Brincámos. Falámos atropeladamente… Mais, menos.
Ficou muito por dizer, não foi?
Rimos.
Comemos pouco. Fumámos muito.
E não demos pelo tempo passar.

Faltou uma.
Ou talvez, não tenha sequer faltado.
(Beijo grande, linda)

A expectativa não era grande, não.
Afinal… há quanto tempo nos conhecemos nós?
Há um carradão de anos. Não é?

Adorei. Quero mais.

PS – Ok. Isto hoje tem direito a comentários. Só hoje.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Três formas de ser


Regra geral, existem 3 formas diferentes de ser, em cada um de nós.

- Aquela que somos na realidade
- A que nos deixam ser
- E a que resulta do confronto entre as duas primeiras

A forma de ser mais visível, é sempre a última. E, a existir, é também a que nos agrada menos. Eu digo “a existir”, porque acredito, que pessoas haverá, livres deste confronto, entre aquilo que somos e o que podemos ser. Pessoas suficientemente fortes e individualistas, cujo carácter não é abalado por quase nada. Ou pelo contrário, pessoas sensatas que se conseguem adaptar com a maior facilidade ao meio em que vivem, fazendo dele o principal modelador da sua forma de ser.

Este é um assunto, em que tenho pensado nos últimos dias. E apetece-me desmontá-lo. Tentar perceber quais são as peças que o compõem. Voltar a montá-lo. Como se quisesse perceber o funcionamento de uma qualquer máquina… o mais racionalmente possível. Sim, faço-o com mais facilidade, pensando com palavras escritas, até mesmo para que o registo não me faça correr o risco de me esquecer do resultado desta reflexão, seja ele, conciso ou não. E sim, continuo desesperadamente, a tentar racionalizar o meu funcionamento. A emocionalidade, não me tem trazido quase nada de bom, ao longo da vida.

O confronto entre aquilo que somos e o que podemos ser. Porque nem sempre aquilo que somos é o mais conveniente. Principalmente, para as pessoas de quem gostamos, e sobretudo, para as que de uma forma ou de outra, são dependentes de nós. Se não lhes queremos fazer mal desta ou daquela maneira, saímos daquilo que somos, e entramos no que podemos ser. E como esse processo é violentíssimo fundamentalmente, para os menos sensatos e conformados, muitos ajustes há a fazer. Enquanto esses ajustes são feitos, nós vivemos a terceira categoria de ser: exactamente a do resultado do confronto.

É evidente, que aqui, se pode questionar muita coisa. Quem são os outros, de que forma são dependentes de nós, durante quanto tempo nos devemos (ou não) comprometer com essa dependência e até mesmo, qual é o limite máximo aceitável de adultério à nossa verdadeira forma de ser. Isso já depende de cada indivíduo e dos seus próprios valores.

A questão está nos malefícios deste estado de ser. Que não é carne nem é peixe. Não é branco nem é preto (a velha questão das cores). E acima de tudo, se for vivida durante bastante tempo, deixa mazelas vitalícias. Cicatrizes indisfarçáveis. Por vezes, fazem prova de que já nem sabemos aquilo que realmente somos (ou éramos).

Gostaria que fosse fácil defendermos a nossa essência, nunca nos esquecermos dela, por muito que fosse o tempo durante o qual, a mesma fosse violada. Ter sempre esperança que um dia, poderemos voltar a tê-la livre, fluente, imaculada. Voltar ao nosso “eu” inicial. Mas o tempo vai passando e a força vai-nos faltando. A resistência vai sendo cada vez menor.

Contra natura, é só a expressão que me ocorre. Daria tudo, por um comprimidinho miraculoso que me fizesse mais conformada, mais sensata. Mas também servia um, que me desse força para manter a identidade.

Esta reflexão foi inconclusiva.






quinta-feira, setembro 16, 2004

Quando todos parecem saber o que é melhor para nós...


… e melhor que nós. Significa o quê, isto?
Significa pelo menos, que não estamos bem. E resolvemos, que temos que estar. Para isso, tentamos mudar alguma coisa. Necessariamente, aquilo que julgamos ser motivador do nosso mal-estar. Lançamos mão à obra e começamos…

Apoios. E se não os há? De quem devia haver?… digo eu. Deveríamos nós ter avaliado essa eventualidade antes? Se chegássemos à conclusão que eventualmente, não iríamos ser apoiados, provavelmente não mudaríamos nada. E continuávamos a estar mal. Se estávamos assim tão mal, não nos importaríamos de não ter apoios. E avançávamos sozinhos. Uma insensatez em circunstâncias pontuais, atrevo-me a acrescentar.

Mais traiçoeira é a eventualidade de termos verificado se havia apoios ou não, antes de avançarmos para a mudança. Havia. Avançámos. E depois, já iniciado o percurso, constatamos que afinal os nossos apoios, se limitam a observar. A observar-nos a dar com a cabeça nas paredes.

Ora, porra! Afinal porque estamos nós a dar com a cabeça nas paredes? E porque se limitam os nossos supostos apoios, a observar-nos?

Simplesmente, porque ninguém melhor que nós, sabe porque estávamos mal, porque queremos estar bem e o que temos que fazer para isso acontecer. E, mesmo que nos possamos desorientar no começo do percurso, ninguém melhor que nós, encontra o caminho certo.

Agora… explicar isto aos nossos supostos apoios… Eles, que nos observam a dar com a cabeça nas paredes, e nos vão dando palmadinhas nas costas em jeito de consolo, com o ar mais paternalista deste mundo, sempre adiantando que “eu bem te dizia que o melhor para ti, não era isso”… porra!... é, desesperante.

O melhor mesmo, é desistirmos de fazer entender o que quer que seja e concentrarmo-nos nos nossos propósitos e… se tivermos estômago para isso, ainda acrescentar que “sim, senhor… tens toda a razão”. Caso contrário, ainda se ofendem connosco e desfaz-se a união, que cautelosamente, afiançámos. Apenas porque resolvemos procurar o que realmente, é melhor para nós (e nos atrevemos a contar com aliados).

A união faz a força, questionas tu. Sem dúvida. Se nunca nos esquecermos porque raio nos unimos nós. Qual foi afinal, o motor de arranque. Porque na verdade, mesmo quando as causas são sociais, é difícil combinar esforços e obter bons resultados. Ora, como não há transferabilidade (ou não devia haver) entre causas individuais e causas comuns, a conclusão só pode ser uma.

Uma causa individual, é isso mesmo. Pertence a um individuo. E o mesmo, tem que consciencializar, que apesar de todos os apoios que possa ter (efectivos, ou não), é ele o protagonista da história. Mesmo que as pessoas a quem se una, não percebam isso.

Brilhante conclusão, hã?!... Que título dei eu a este post? Talvez o título mais adequado fosse: Individualidade ou O verdadeiro sentido de solidão.

quarta-feira, setembro 15, 2004

E eu a vê-los passar


Pela direita. Vuuurrrmmm!
Pela esquerda. Vuuurrrmmm!

Pois. Eu hoje fui para Santarém. Ihihihihihih!... O pessoal que me conhece já se está a rir. O que é que para aí vem, pensarão.

É verdade. Levantei-me meia hora mais cedo do que era preciso, para conseguir acordar mesmo, ou seja, para me meter à estrada de olhinhos já bem abertos. E lá fui eu. Demorei quase 2 horas para lá chegar. Qualquer pessoa (mesmo qualquer pessoa) faz a viagem em menos de uma hora. Mas eu perdi-me, pois claro. Umas quinhentas vezes, sim senhor. Para lá, ia tão absorvida com as minhas “perdições”, que não reparei em nada. Nem no caminho, pois claro. Senão não me perdia. Mas para cá, já vinha mais calma e então, deu para curtir a viagem. Foi do melhor.

Via rápida. Entrem todos. Vuuurrrmmm!... pela direita. Até afrouxo para os deixar entrar. Hoje, por acaso, não levei com nenhuma buzinadela do de trás. Os gajos às vezes, irritam-se comigo. Mas, porra!... tenho sempre medo que eles entrem à má fila. E não vá o diabo tecê-las… deixo-os sempre entrar. Chiça!... parece que vão todos para o mesmo sítio que eu. Vuuurrrmmm!... aí vai mais um. Alguns até me agradecem.

Quando não são os da direita, são os da esquerda. Na verdade, esses são os mais frequentes. Na verdade… até são todos. Não. Todos, não. Todos, menos os tractores. Com os tractores posso eu bem. Às vezes demoro, mas lá me vou desenrascando. Hoje, por acaso, vi-me doida com um. Com reboque. Fui uma data de tempo atrás dele. Mas como tinha traço contínuo, os que vinham atrás de mim, não me chatearam. Mas o traço contínuo acabou e eu… nunca mais me despachava. Comecei a ficar nervosa. Quando me decidi, já vinha um detrás, mais despachadinho que eu. E depois outro. E depois ainda vinha mais um, mas eu aí pensei: Porra!... espera lá, que agora sou eu, que ainda acaba a recta e eu sufoco aqui com o pivo do tomate. É que o reboque vinha carregadinho deles e pessoal… o cheirinho do tomate com o sol a dar em cheio… só vos digo… é qualquer coisa…

Bom, mas lá deixei o tractor para trás e segui viagem. E, vuuurrrmmm!... aí vem mais um, pela esquerda. Um jepp azul. E, vuuurrrmmm!... um carro vermelho. E depois um branco. E a seguir, um camião. Foje!... um camião?! Pois, um camião pequeno, ou uma camioneta grande, que é tudo a mesma coisa. Livra!... que vergonha, meu Deus. Enquanto são pequenos, ainda vá… mas um, daquele tamanho? Tenho que acelerar isto um bocadinho mais, pensei eu. E aquilo correu bem.

Bom, correu bem, até à ponte. Quando entrei na ponte, toda lançada, digo-vos eu, vem de lá uma bisarma de todo o tamanho. Quando vejo aquilo a aproximar-se, fui-me afundando no banco. Um camião cisterna. A abrir, o parvalhão. É que a ponte é estreita. Ia em 5ª. Comecei logo a travar e reduzi para 2ª. Quase parei, quando me cruzei com ele. O gajo ofendeu-se. A sério. Diz-me ele, lá de cima: Não cabes?!... ò caraças?!... Para dizer uma coisa daquelas, é mesmo, porque levou a mal. Não sei muito bem, se por ter quase parado, ou se por me ter visto a afundar no banco… mas lá que se ofendeu, ofendeu. Parvalhão. Ainda me atrevi a pensar, enquanto voltava à minha posição normal. Olhei pelo retrovisor, não vinha ninguém atrás. Porreiro, pensei. Não fosse o de trás ofender-se também…

Bom, mas eu cá, nunca me deixo abalar com estas coisas. Quando paro o carro debaixo do meu telheiro, venho sempre bem disposta. Porra!... cheguei sã e salva. É sempre o que penso. Passados dois minutos, já não me lembro de nada.

sábado, setembro 11, 2004

Falta muito para amanhecer?

Tirei os comentários.
Tirei o contador.
Tirei o MSN.
Fechei esta janela virtual.
Abri uma janela real.

Porra!... tá tudo escuro. Não se vê nada.
Falta muito para amanhecer?
Hã?!... Uhmmmm?!...
Então? Ninguém diz nada?

Foge!... já tou cheia de saudades vossas.
Isto vai de mal a pior.

O que vale é que até tou bem disposta.
Beijinhos pessoal.

Para que não hajam dúvidas...

(continuação dos post anterior)

... e porque este post é dirigido aos meus leitores habituais, vou esmiuçar os motivos que me levaram a tomar uma decisão. Quando escrevemos, por escrever, ou seja, quando não nos preocupamos com a real interpretação às nossas palavras, podemos com facilidade, dizer tudo como os malucos.

Não é o caso deste post. Aqui, quero tudo “preto no branco”. Quero ser devidamente, entendida. Vamos lá ver se consigo.

Todos nós, que por aqui andamos com as palavras nas pontas dos dedos, devemos saber o que é a blogomania, cada um com a sua definição, obviamente. Se me permitem, volto a citar palavras de Milan Kundera, sobre a natureza da actividade do escritor. "Cada individuo se rodeia das suas próprias palavras, como de uma parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora". A natureza do escritor é de facto esta, na minha opinião.

O isolamento que nos causa. Esperam lá… vou escrever na primeira pessoa. Porque é de mim, que quero falar. Eu concordo com a definição de Kundera. E, se esta parede de espelhos, habitualmente me provoca uma sensação de bem estar imensa (que procuro frequentemente) muitos são também, os momentos em que me apercebo do isolamento a que me sujeito. Daí ter tentado atenuar o isolamento com a possibilidade da recolha de reacções àquilo que escrevo. Criou-se assim, uma comunicação mais próxima daquela que temos com a troca de palavras ditas. É confortante, sim. Quando, nos sentimos sozinhos com as nossas ideias. Perceber que outras pessoas partilham conceitos, sentimentos, opiniões, eu sei lá… como eu, faz-me sentir menos sozinha (e aqui, “sozinha”, não tem nada a ver com o aspecto físico da questão).

Mas, como em tudo, há sempre o reverso da medalha. E esta, doeu-me. A sério. Porque esta troca de palavras escritas, passou a barreira da formalidade, da racionalidade. Afeiçoei-me às palavras que daí vieram. E percebi que queria mais. Que queria as pessoas que as escrevem. Aqui deste lado. Com palavras ditas. Com mantas e cinzeiros partilhados. Com forma de as procurar e de ser procurada. Pele com pele. Enfim… amigos palpáveis. Como aqueles que tenho neste mundo real.

E quando percebo que afinal as palavras que leio pertencem apenas ao meu monitor, sem rosto, que ligo e desligo, conforme me apetece… sabe-me a pouco. Porque se um amigo desaparece sem dar sinal de vida, tenho que o procurar, saber se lhe aconteceu alguma coisa de mal. Ou se uma amiga anda em fase menos feliz, preciso de me disponibilizar, para que me possa procurar, se assim o entender. Ou até, se for eu a andar em baixa forma, preciso da minha agenda telefónica com os números preenchidos à frente dos respectivos nomes. É disto que preciso.

Mas, como também preciso de escrever, decidi reduzir isto à sua essência. Escrevo apenas. Sem comentários. Sem contador. Sem a mínima hipótese de me envolver emocionalmente com os meus leitores (os que não conheço pessoalmente). Reduzo portanto, esta forma de comunicar, à parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora.

É assim que vou tentar viver isto. Mas se algum dia… alguém tiver a brilhante ideia de organizar um almoço, um jantar, um fim-de-semana, qualquer merda desse género, do tipo…

1º ENCONTRO DE BLOGUISTAS
(vamos todos conhecer-nos pessoalmente)

Contem comigo. Estou lá.

Por enquanto vou-vos lendo. Todos os dias. A todos os que constam na minha lista de links (que só agora senti necessidade de criar).

sexta-feira, setembro 10, 2004

Dos grafemas aos fonemas


(registo para a posteridade… isto vai evoluir)

Tenho verificado conscientemente (umas vezes mais, outras, menos) a evolução do meu “agarramento” ao pc. À net. Aos blogs (ao meu e aos vossos, acreditem que não faço distinção). Tempos houve, que por razões profissionais, o meu pc estava ligado uma série de horas, durante o dia. As consultas na net, as visitas aos correios, eram frequentes. Necessárias. Sempre por razões profissionais. Hoje não é assim. Eu ligo o pc e entro na net, por razões quase sempre, pessoais. Para visitar os blogs (ver se há novidades). Para ver o correio. Uma série de vezes, durante o dia. Uma série de vezes, durante a noite (que o sono às vezes não me encontra). Muitas vezes, tomo o pequeno almoço à frente do pc, de janela aberta para esse lado. Outras tantas, entro em casa, depois de uma saída prolongada, e a primeira coisa que faço, é ligar o pc, na mesma janela. Quantas vezes, vou fazendo o jantar e bisbilhotando, simultaneamente. Pior… vezes demais, digo aos meus filhos que “hoje não há história para ninguém”, quando ma pedem no momento de ir para a cama.

Esta constatação fez-me regressar à razão pela qual, me iniciei na blogosfera. Sempre escrevi compulsivamente. A maior parte das vezes, para ninguém ler. Para a gaveta. Uns quantos textos para oferecer aos amigos. Outros tantos, para enviar a publicações da nossa praça. Enfim… a bem dizer, escrevi sempre para vazar a alma e dar espaço para que voltasse a encher. Um ciclo vicioso sim, mas que me dá imenso prazer. Do qual, dificilmente me livrarei alguma vez. A determinada altura, foi surgindo a necessidade de escrever para ser lida. Começava-me a parecer demasiado muda, a forma como escrevia. Surgiu a blogosfera. Perfeito. Pensei eu. Agora vou ter quem me leia. Até há comentários e tudo. A recolha de reacções é porreira.

Era perfeito, era. Não fosse eu começar a afeiçoar-me aos meus leitores. Não fosse eu ser “mocinha” pouco racional, muito dada ao raio das emoções. Não fosse esta menina assim, e tudo corria sobre rodas. Não me extravasava ao limite da blogosfera. Mas não. Com alguns de vocês desenvolvi mesmo relacionamentos de amizade, em curtíssimo espaço de tempo Com preocupações e tudo (ando apreensiva com a questão das cores e com a ausência do pássaro divino, a sério que ando). Tenho uma necessidade imensurável de ver olhos, tocar nas mãos, dar abraços, ouvir a voz…eu sei lá.

Verifico assim, que este meio é demasiado virtual para as minhas necessidades. Preciso de ouvir em que tom se diz “es-tú-pi-do” ou “Ah, sim?!”. Ler nos olhos o estado de espírito com que se escreve “Preto no branco” ou “Vulcão” (não, não vou fazer links). Estar à conversa à volta de uma fogueira e partilhar o calor de um cobertor com alguém que tenha comigo, inúmeras similaridades. Encantar-me com a forte personalidade de quem vive sozinha com um filho. Ajudar a acalmar a contestação de uma jovem de valores bem alicerçados. Tomar um copo, estar à conversa… pele com pele. À falta de tudo isto… ouvir pelo menos, a voz. O tom de voz. Em indiscreta gargalhada. Ou em sussurro. Voz vacilante ou nervosa. O alívio por nos encontrarmos. Anda cá, vamos conversar. Eu oiço-te. Tu ouves-me. Dos grafemas aos fonemas, vai uma distância que não suporto. Não sendo possível tê-los (aos fonemas e a todos vocês) prefiro reduzir isto à sua essência. Eu e o meu porto de abrigo. Falta saber como o vou fazer. Quando decidir, digo (ou melhor… escrevo).

domingo, setembro 05, 2004

Recordações de infância


Sentei-me aqui para escrever. Mas não sei sobre o quê (normalmente sei, acreditem). Eu podia falar sobre Beslan, o quanto me faz sentir pequenina. Sobre as minhas arrumações e a dor que me causa deitar fora coisas que tenho mantido, algumas há mais de 30 anos. Sei lá… podia falar sobre átomos e moléculas e se a química nos rege (ou não) todos os sentimentos. Podia falar sobre politica… Não. Por acaso, sobre politica não podia falar. É demasiado racional para mim. Mas não me apetece escrever sobre nenhum destes assuntos. Sinto-me mais à-vontade com coisas pequenas. Quanto mais pequenas… maior eu as consigo fazer. Hummm!... deixem-me pensar!... Ok!... já sei. Vou regressar ao passado. Calma. Não é mais nenhum testemunho sobre situações inacreditáveis, que quase nos obrigam a acreditar no destino. Vou escolher uma coisinha mais leve (também… não preciso de me esforçar muito, a avaliar pelo peso do meu último regresso ao passado). Vou regressar à minha infância. Partilhar convosco algumas memórias que retenho dela.

Nasci e cresci em África. Moçambique. Muita liberdade. Muita brincadeira no quintal e mesmo na rua. Éramos 7 amigos inseparáveis. Umas vezes mais amigos que outras, mas sempre inseparáveis. Aliás, quando nos separávamos, só fazíamos porcaria. Por isso, quanto mais juntinhos, melhor. Por acaso… agora pensando nisso… os miúdos costumam juntar-se para fazer tropelias e nós de facto, éramos ao contrário. Juntávamo-nos para fazer rádios com pedaços de madeira e caricas (claro que não funcionavam). Para fazer cabanas com os ramos que eram podados das árvores. Eu cá, não alinhava muito nesta brincadeira. Aparecia sempre com cada gafanhoto mais grande… Ninguém me conseguia convencer a entrar na cabana, por isso o Manel (por quem eu estava terrivelmente apaixonada) fazia-me sempre um quintal e eu entretinha-me a tratar da horta, com capim e laranjas velhas. A fingir, pois claro… Bom, as laranjas, às vezes marchavam. Eles lá se ocupavam da cabana. Sempre debaixo das instruções do Manel, que era o mais velho. Eu sentia-me sempre uma privilegiada, que a mim o Manel não me dava ordens e quando a cabana estava pronta, levava-me pela mão só para a espreitar. Mais… impedia que os outros me empurrassem lá para dentro… que eu aterrorizava-me com a ideia de entrar na cabana e cair-me um gafanhoto em cima. O Manel era mesmo porreiro. Por isso é que eu estava apaixonada por ele. Porreiro e gordo. Muito gordo. Mesmo muito gordo. E não é que eu não me importava nada? Quer dizer… não me importava nada, não é bem assim. Importava-me muito que ele andasse em tronco nu. Tinha umas mamas maiores que as da minha mãe. Dessa parte nunca gostei. Quando ele aparecia em tronco nu, estragava-me o dia. É que a minha melhor amiga, a São, fartava-se de me gozar. Inferiorizava o meu mais que tudo. Arreliava-me até às lágrimas, a malvada. Bom, mas a mãe do Manel salvava-me sempre. Lá aparecia a meio da manhã ou da tarde com uma t-shirt. Trazia sempre e também, uns biscoitos de azeite. Uma caixa redonda de lata, cheia, que o Manel colocava ao colo. Nem era preciso lavar as mãos. Sentávamo-nos todos à beira do passeio a comer os biscoitos. Eu e o Manel, comíamos sempre mais. O Manel, por razões óbvias… pois, tinha um apetite voraz. E eu, eheh… porque era a sua protegida. Agora pensando no assunto… acho que era a forma que ele encontrava de me agradecer a paixão que lhe tinha. Porra!... não é qualquer miúda que se apaixona por uma bisarma daquelas. Ainda hoje adoro biscoitos de azeite. Fritos, como fazia a mãe dele.

Mas também brincávamos a outras coisas. Lembro-me que uma das minhas brincadeiras preferidas, era o jogo da verdade e da mentira. Cada um contava uma história que os outros tinham que adivinhar se era verdadeira ou falsa. Quem menos conseguisse ludibriar os adversários perdia. O Zeca que era o mais ferrenho e não gostava nada de perder, ás vezes fazia da mentira, verdade e da verdade, mentira. Nessa altura, íamos todos a correr à procura da mãe, para tirar a história a limpo. Se ela não soubesse da história, é porque era mesmo mentira. Aí, o Zeca ficava danado. Por acaso, o Zeca era o que melhor histórias contava. Desde tapetes voadores a aterrar em cima do guarda-fatos, a viagens pendurado num chapéu de chuva, valia tudo. Mas o mais engraçado é que ele queria que nós acreditássemos nestas histórias e dizia mesmo para irmos perguntar à mãe, se era verdade ou não. Hoje é advogado, o Zeca. Mas ia sendo padre. Já cá em Portugal, apaixonou-se por mim. Escrevia-me cartas em código. A sério, inventou um alfabeto próprio. A cada letra do nosso alfabeto, fez corresponder um símbolo. O miúdo tinha mesmo imaginação. A contar histórias e a romancear. Ups!... não é a mesma coisa?... Bom, mas aquilo do “nosso alfabeto” era muito giro. É que tantas foram as cartas que trocámos, que já nem era preciso ir ver a cábula, que ele teve o cuidado de mandar para casa de uma amiga minha (que era para não ser interceptada). Agora não me consigo lembrar de quem tínhamos nós, medo. Se da minha mãe, se do meu irmão mais velho. Bom, isso agora também não interessa. A piada estava mesmo naquele secretismo todo. Trocámos promessas de amor em código, como gente grande. Tudo acabou quando passados uns 2 anos, ele foi a minha casa. Ele, o irmão e os pais. Estavam todos bem. Menos ele. Apareceu com umas calças castanhas de vinco, um palmo acima do tornozelo, apertadas com um cinto em cima do estômago. E o cabelo? Eu não sei se aquilo era gordura ou brilhantina, mas que era piroso, lá isso era. Porra!... que desilusão. Andava eu a trocar promessas de amor com um bimbo naqueles?!... Hoje é advogado, o Zeca. Já tinha dito, não já? Será que ainda usa calças acima do tornozelo? O cinto a apertar o estômago, não deve usar. Sim, que com 42 anos, já deve ter o estômago bem dilatado, por isso o cinto tem que ficar por baixo. Valha-nos isso, chiça!...

Bom!... Está-me a dar o sono. Vou ver se durmo. Beijinhos pessoal.

A menina Elsinha

(Não podia recusar um pedido teu. Guardaste-a este tempo todo?)

Estava a menina Elsinha a tentar convercer a sua irmã mais pequena Vera, a brincar, fosse lá ao que fosse...

- Queres brincar com as bonecas?

A Vera corria eufórica, à volta da irmã.

- Então?... queres brincar na casinha?

A Vera continuava a correr eufórica, à volta da irmã.

- E às escondidas... queres brincar?

A Vera continuava a correr eufórica, à volta da irmã.

- E... queres brincar à apanhada?

A Vera continuava a correr, cada vez mais eufórica, à volta da irmã.

Então, vamos brincar aos pontapés. Tu és a bola.


Escrito a 9 de Setembro de 2002

sábado, setembro 04, 2004

Poderes especiais


Há momentos em que me apetecia ser uma super-mulher. Pois… com poderes especiais e tudo. Bom, na verdade, os poderes especiais, podiam ser só dois:

- Rapidez e eficácia
- Desprovimento de emoções

Conforme fosse necessário, activava os poderes especiais e aí está ela… eficiente e intocável. Um rodopio sobre mim própria e poderes especiais instalados até ser necessário. Depois podia voltar ao normal. Pensando bem, era melhor não voltar.

Ok. Eu explico. Tenho um atelier de trabalho com pouco mais de 30 m2 para vazar. Inactivo em termos de produção, há mais de 1 ano. Mas porra!... não imaginam o que de lá tenho que tirar. Desce um forno de cozer cerâmica, a 5 máquinas de costurar e bordar, até ao primeiro pc que tive (nem disco rígido tem), passando por trapos de todas as qualidades, brinquedos e roupas desactualizados de 3 crianças e todo o tipo de tarecos que para lá foram encafuados desde que iniciei obras em casa (que já acabaram há mais de 3 meses), por lá se encontra de tudo. Pensando bem, devia acrescentar mais um poder especial: Força e resistência.

O pior, é que fiquei sem os miúdos, para conseguir arrumar aquele espaço. Ou melhor… vazar aquele espaço. Até Domingo. É bem feita. Não me tivesse eu queixado ao longo de meses (anos?) que não consigo fazer nada com as minhas crianças agarradas às pernas. Primeira lição. Aprender a estar calada.

O problema, é que não tenho vontade alguma de lá me enfiar. Primeiro porque vou ter que deitar muita coisa fora (por não ter onde a guardar em segurança) e perco muito tempo até decidir o que é aproveitável ou não. Depois, porque me vou perder em memórias cada vez que me passar alguma coisa, pelas mãos. A seguir, porque a própria arrumação significa uma mudança de vida, e caraças… estou assustada. Golpe final: saudades dos meus filhos. Ai, ai!... vai ser bonito.

Por fim, tenho andado a tentar interiorizar que encontramos a força de que precisamos para dar corda às pernas, em nós mesmos. Vendo bem, sempre pensei assim, contudo considerava que não seria só em nós mesmos. Um porto de abrigo era essencial. Fosse ele qual fosse. A acompanhar esta tentativa de interiorização, têm-me batido cá dentro a impressão de que muita coisa muda na minha vida, porque eu abri a boca. Enfim, porque não sou muito sossegadinha. Não me conformo com questões que me incomodam, logo falo… tento alterá-las. Esforço-me pouco para me adaptar ao desconforto. Parece-vos bem, pensam vocês. Talvez. Não fosse ter a nítida sensação que perco o meu porto de abrigo, de cada vez que abro a boca para me queixar ou tentar alterar alguma coisa. Isto é, parece que me foge por entre os dedos. Segunda lição: Falar só quando é necessário.

Agora imaginem o meu fim-de-semana. Eu, no meio dos tarecos todos, com saudades dos meus filhos e a tentar adivinhar onde raio se encontra a força que deve estar dentro de mim. Emoção até ao rubro. Desejem-me sorte.

Sei lá… agora, no fim, apetece-me desejar apenas um poder especial. O uso da palavra, na altura certa e conveniente. Ou seja, menos emotividade, mais racionalidade. Raios partam!... é que mesmo a perder, não me consigo arrepender de nada.

sexta-feira, setembro 03, 2004

Quando tu quiseres


- Ai, ai!... Mãe!... ela está a ficar atrapalhada. Dizia-me ele.

- Não dês ênfase à situação. Respondia-lhe eu.

- Vou para ali?

Perguntaste-me. Acenei-te com a cabeça… Sim. Aproximaste-te do cadeirão de verga e com visível dificuldade, sentaste-te. Pernas juntinhas. Mãos apoiadas no acento, bem coladinhas às coxas. Ficaste. Trazias o vestido vermelho, aos quadradinhos. E juro-te que o teu rosto, habitualmente pálido como marfim, se tornou quase tão rubro como o vestido. Por detrás desses óculos (ficam-te a matar, acredita) os teus olhos recortaram-se em sinal de medo. Mas os lábios sorriam. Um sorriso contido. Mas sorriam. Percebi que querias ser forte. Aguentar-te à bronca, melhor dizendo. E fiz-te a vontade, linda. Ajudei-te (era isso que querias que fizesse, não era?).

O teu irmão gesticulava por trás de ti (tenho impressão que o vi roer as unhas). A tua irmã foi até à porta (não a leves a mal, temia que fizesse sangue). Eu mantive-me ali, à tua frente (acho que o homem teve mesmo que me dar um encontrão para lhe desamparar a loja). Os preparativos. Mantiveste o mesmo olhar e o sorriso fez pause, ali mesmo… no ponto que descrevi atrás.

Primeiro uma. Não era preciso (mas não fosse o diabo tecê-las) pedi licença ao homem para te levar ao espelho. Play no teu sorriso. Abriu um bocadinho mais (eu sabia que animava). Ajudei-te a sentar novamente. Não era preciso, eu sei… mas quis colaborar.

Depois a outra. Conseguiste, linda. Portaste-te como uma menina corajosa. Eu sei que estavas com medo. O teu irmão suspirou. A tua irmã voltou.

- Já está? Não fez sangue? Doeu?

- Não. Respondemos-lhe em simultaneamente, cada um a seu tom. Nem sabias o que fazer. Como recompensa, tornei a levar-te ao espelho (também não sabia muito bem, como agir, percebes?). Linda. O teu tom de pele tinha voltado ao normal. Levantei-te o cabelo. Deixei-te estar até quereres. Viste uma menina corajosa… que já sabe o que quer. Foi isso que viste, não foi? Reparaste ao menos nos brincos?

Escolheste bem. Ficam-te lindamente. Esperei mais de 4 anos, para te poder decorar as orelhas. Caraças!... adoro brincos! Mas essas orelhitas, só foram furadas quando tu quiseste.

domingo, agosto 29, 2004

Perdoar

Entre dois espelhos me escondo.
Não vejo a minha
E a tua dor.
Reduzo a um grão de pó
Aquilo a que tu chamas amor.

Ah, sim!... amei-te.
Fechei os olhos e fui, de mão dada
Onde me levaste.
Só percebi que estávamos perdidos
Quando finalmente paraste.

Olhei para trás e não vi
Rasto de mim própria.
Não. Não.
Nunca consegui compreender
Essa tua solidão.

Recolho-me. Abrigo-me.
Fujo para a frente
Quando te vejo a avançar, assim
Tão de repente.
Detém-me esta onda enfurecida
Que me impede de abraçar
De amar.

Quanto tempo é preciso
Para eu conseguir perdoar?

Regresso ao passado III


Fevereiro 1992 – Sábado à noite. Maria segue atrás do médico pelo corredor da maternidade. Grávida e infeliz. As lágrimas correm-lhe indiscretas, pelo rosto. O médico detém-se a uma porta e convida-a com um gesto, a entrar primeiro que ele. Pede-lhe que se sente. Diz-lhe que não deve estar assim. Não é bom para o bebé. “Vamos ver o que se passa”, acresceta. Sétima ecografia. Durante meia-hora, nenhum dos dois, profere uma única palavra. Maria recorda as últimas horas. Tinha sabido que o seu bebé não estava bem, na tarde anterior. Problemas na coração, nos ossos da cabeça, desses sabia. Mas havia mais. Decidiu não seguir as indicações da médica. Teria que esperar mais uma semana para conhecer melhor a situação. Deu por isso entrada pelas Urgências, daquela que considerava a melhor maternidade, mesmo sem ter acesso legitimo a ela, mesmo sem a sua situação ser considerada urgente, e em boa hora o fez, pensava. Tinha sido difícil, mas tinha conseguido convencer os médicos a fazer nova ecografia. Ninguém sabia que ali estava. Não tinha dito nada a ninguém. Foi sozinha. Um dos médicos melhor credenciados, um dos mais avançados aparelhos… e ali estava ela, à espera de respostas. Quando o médico terminou, confirmam-se todas as suspeitas. Era impossível, com tantas malformações, um feto sobreviver fora do útero. Nem compreende como tinha chegado a avançado estado de gestação. Era inacreditável, com tanta ecografia feita, só agora se detectarem estas anomalias. Era inacreditável. Maria ia perder o bebé. Marcou-se nova ecografia, desta vez com um cardiologista. Mais uma cordocentese para recolha de sangue do bebé. Tudo para daí a 2 dias. Encaminhamento para Consulta de Genética e Centro de Diagnóstico Pré-Natal. Aconselhamento de pedido de interrupção voluntária de gravidez. O feto está em sofrimento. O coração não vai aguentar muito mais tempo. Maria seria poupada ao desgaste dos 2 últimos meses de gravidez. Nada lhe parecia fazer sentido.

Ainda hoje, não compreende. A gravidez tinha começado mal, de facto. Foi seguida em Alto Risco, até aos 3 meses. Se tinha conseguido “segurar” o bebé até essa altura, estaria livre de perigo, a partir daí. Foram despistadas as doenças de família. Recorda novamente a investigação que tinha feito sobre a doença da sua avó Emília. Tinha também conversado com o médico da sua mãe. Nada de mal lhe podia acontecer, a doença não era sequer hereditária, apenas de tendência familiar, como quase todas. Por isso não chegou a fazer Amniocentese. Cinco ecografias, feitas pela mesma médica, quase todas feitas a pedido de Maria, ao seu médico. Concordou sempre. Carinhoso, cuidadoso, tentando tranquiliza-la.

Tinha perdido o bebé, sim. Sara, se chamaria se vivesse. Sara, ficou para sempre. Lembra-se de não saber do que sentia falta, após a interrupção da gravidez, se da barriga, se do bebé. Se não tinha barriga, devia ter bebé. Se não tinha bebé, ainda devia ter barriga. Lembra-se da conversa que teve com o médico a quem pediu alta para poder estar presente aquando do funeral. Como ele tentou anima-la. Uma dor profunda que se arrastou durante dois meses e foi atenuando muito lentamente, após essa data. Nessa altura, já Maria tinha na sua posse, o Relatório de Genética, com descrição de Exame Necrópsico: …”encefalocelo occipital, fenda palatina bilateral, malformação dos pavilhões auriculares, malformação dos membros inferiores, defeito de septo aurículo-ventricular incompleto, rotação incompleta do intestino, múltiplos baços acessórios, rim direito pequeno, vesícula biliar parcial incluída no parênquima hepático e localizada à esquerda do ligamento redondo.

Arrepia-se. Fecha os olhos demoradamente. Ainda custa a crer. Ao final de doze anos, lembra-se como se fosse ontem, da reacção da médica que lhe fez as cinco ecografias, quando lhe deu uma fotocópia do Relatório de Genética. Antes de o receber, escusava-se com desculpas e lamentos. “Às vezes é difícil ver as malformações”, disse. Maria, estendeu-lhe a folha de papel. Passados breves segundos, a médica escondeu a cara entre as mãos e não a voltou a descobrir. “Oxalá, não se volte a enganar desta maneira”, não se lembra se disse, se pensou apenas, antes de sair do consultório. A médica metia dó. Provavelmente nem terá dito nada, por isso mesmo.

Afinal, agora há distância de tantos anos, este erro parece-lhe mais esbatido. A médica cometeu um erro sim, punível até com pena de suspensão, não fosse ter sido amnistiada pela Inspecção-Geral de Saúde, sabe disso. Contudo, a punição máxima, teve-a no momento de confronto com Maria e com o relatório que a mesma lhe colocou nas mãos. Mas não foi responsável pelas anomalias da Sara. Estas definiram-se no momento da concepção. Algo correu mal. Nunca se saberá o quê.

Guarda tudo. Triste mas tranquila. Ultimamente, tem dado à própria vida, um valor diferente do que dava. Efémero, por isso mais valorizável. E hoje, nesse preciso momento, parece-lhe tão fugaz, qualquer umas das vidas que percorreu, folheando papéis, recordando situações de tristeza, de dor, de termo. Deveria talvez, começar por acreditar no destino. Mas, não. Está decidida a continuar a percorrer um caminho de escolha livre, sem conformismo de especial inibição. Não se pode ficar à espera de coisa nenhuma, sob pena de não se viver na maior plenitude possível.

sábado, agosto 28, 2004

Regresso ao passado II


Lembra-se de subir as escadas, devagar, sem pressa de chegar. Contudo, ansiosa, expectante. Conhece aquele Serviço de Neurologia, como a palma das mãos. A sua mãe esteve lá internada, durante meses, pouco tempo antes desse dia. Na mesma enfermaria onde tinha estado a sua avó Emília, 22 anos antes. Esta coincidência é dolorosa, como o conceito de destino, em que nunca quis acreditar. Sem fuga possível. Angustiante. Redutor. Sabe a que sala se deve dirigir, conforme conhece todos os caminhos que a ela vão dar. Os de acesso público e ou outros, em que circula sem autorização. Nunca ninguém lhe disse nada. Nunca ninguém lhe chamou a atenção. Percorre aqueles corredores, usa qualquer um dos elevadores, entra em qualquer sala, como se da casa dela se tratasse. Mas, nesse dia, foi as escadas de acesso público que subiu. Como qualquer pessoa. Como qualquer visita. Ia à procura da médica de que lhe tinha falado no dia anterior, a funcionária da secretaria. Sabia que estava à sua espera. Tinha combinado com a enfermeira. E a médica já sabia do que se tratava. Entrou e fez-se anunciar. Surgir a médica. Já a tinha visto, sim. Mas não sabia que era ela. Cabelos grisalhos. Óculos na ponte do nariz. Ainda de bata branca. Estava de saída, Maria sabia. Simpática e acessível, convidou-a a sentar-se e começaram a conversar. “Não. Paramiloidose, não era. Seguramente”, disse a Maria. Explicou-lhe que essa doença, compromete também os membros superiores. “E ela tinha umas mãos de ouro”, acrescentou. Bordava, fazia crochet, tricot, até à máquina escrevia. Não. Paramiloidose, não. Insistia, convictamente. Tinha tido tempo suficiente para se manifestar nas mãos e nunca se manifestou. O que tinha sido, não sabia. “Nunca se soube”, repetia. Maria estava tranquila. Esboçava até um sorriso nos lábios, enquanto ouvia a médica. Contava-lhe histórias, que revelavam uma avó bem disposta e alegre. Faceta que desconhecia. Sempre lhe contaram histórias tristes. Histórias sob um cenário de guerra, na infância da mãe e do tio. Episódios ocorridos já na fase da doença, causadores de grande sofrimento para quem os contava. Conhecia agora, uma avó diferente. Estimada por todos. Forte e lutadora. “Sempre bem disposta. Nunca se deixava ir abaixo.”, dizia a médica. Maria deliciava-se. Curiosa, ia fazendo perguntas. A médica não revelava pressa. Assim estiveram algum tempo, findo o qual, juntas, desceram as escadas. Despediram-se ao fundo das mesmas. Maria abandonou o serviço, seguiu o seu caminho. Paramiloidose, não era. Poderia aceitar esta observação como certa. Aceitou-a mesmo.

Ia passando uma a uma, cada folha. Deteve-se numas fotocópias propositadamente agrupadas com um clip. Separou-as. Palavras sublinhadas a marcador de cor. Correu os olhos sobre elas. Periarterite Nodosa (Doença de Kussmaul) – Rara e potencialmente fatal inflamação das pequenas artérias. Resulta frequentemente em trombose arterial e morte de tecidos circundantes. A causa da Periarterite Nodosa é desconhecida. Doença de tendência familiar, verifica-se geralmente em pessoas com idade entre os 25 e os 50 anos, e é mais vulgar nos homens que nas mulheres, leu. Continuou. Hereditariedade. Mais definições da doença. Lembra-se de ter passado algumas tardes em bibliotecas, recolhendo estas definições. Pousou as folhas e olhou em frente, retrocedendo no tempo.

Fevereiro 1982 – Ouvia o médico da sua mãe. Usava termos complexos de difícil compreensão referindo-se ao diagnóstico da doença. No rosto de Maria, o desespero. Era mau, aquilo que ouvia. Não estava ali mais ninguém. Tinha que compreender tudo para depois conseguir explicar. À mãe, internada na enfermaria do fundo. Ao pai que não teve coragem de a acompanhar, por adivinhar as más notícias. Aos irmãos, ainda mais jovens. O médico ia dulcificando a voz, à medida que se apercebia do estado de espírito dela, a ceder, vertiginosamente. Queria ser forte e não era capaz. O médico explicava-lhe o que ia acontecer. Como se teriam que preparar. Por fim, convidou-a para se sentar. Deram 3 ou 4 passos até ao banco corrido, mais próximo, e sentaram-se. Maria perguntou quanto tempo faltava até ao fim. 6 meses, 2 anos. Não sabia. Tudo dependia de muita coisa. Tinha que ajudar a mãe. Tinha que ajudar o pai. Tinha que ser forte.

“Tinha que ser forte”. Entoava-lhe a voz do médico. Maria voltou a pegar nas folhas, arrumando-as na pasta. Passaram 16 anos desde esse dia, até ao dia em que a mãe morreu. 16 angustiantes anos, em que todos puderam ver a mãe a definhar. Uma morte gota a gota, cujo fim, foi um respirar fundo após uma dor insuportável. Marcante na vida de todos. Vagarosamente, guardou a pasta na caixa. Pegou na outra. Vacilou. Deveria guardá-la sem a abrir, sabe disso. Mas não. Tinha mesmo que ver. Fotografias dela própria. Grávida e sorridente. Feliz. Correm-lhe memórias em turbilhão, fixando-se na última.

Fevereiro 1992 – Sexta-Feira, final de tarde. Maria entra no consultório. Grávida e feliz. Vai fazer mais uma egógrafia obstétrica. Está ansiosa. Quer saber se está tudo bem, se é menina ou menino. Tinha feito uma, 15 dias atrás. No dia a seguir, marcou esta, para outra clínica, com outra médica. Tinha que ter a certeza que estava tudo bem. Fazia-se acompanhar pelo pai do seu bebé. A certa altura, apercebeu-se que o exame estava a demorar mais do que o habitual. A médica tinha parado de conversar. O silêncio ganhava espaço. Maria percebeu que algo não estava bem. Perguntou sem rodeios. A médica respondeu da mesma forma. Alguma coisa no coração do bebé, não estava bem. “Como… não estava bem?”. A médica não se fazia explicar. “Não era só no coração, havia mais coisas, também”, adiantava. Mais coisas… que coisas? Como era possível? Aquela era a sexta ecografia, em 7 meses de gravidez. Não tinha feito uma, nem duas, nem três. Era a sexta ecografia. Como é que podiam haver coisas, que não estavam bem? Que coisas? A médica, insegura, ia falando aos sulcos e em baixo tom. Tentava em vão, transmitir alguma tranquilidade, enquanto Maria se ia calando. Ficou ali, como uma intrusa a ouvir a conversa da médica e do pai do seu bebé. A gravidez tinha começado mal, dizia ele. Com duas ameaças de aborto espontâneo. Tinha feito repouso absoluto até ao terceiro mês. Tinha investigado doenças familiares exaustivamente, nomeadamente as da sua avó Emília e da sua mãe, tendo-se escusado uma Amniócentese, por se ter feito despiste de doença grave, hereditária. “Antes tivesse sido feita” observava a médica. Não se lembrava como tinha saído dali. Não se lembrava de mais nada, senão das “coisas que não estavam bem”. Que coisas? Tinha tido tanto cuidado. Tinha investigado tudo. Do que se teria esquecido? O que teria corrido mal?

12 anos volvidos, desde esse dia. Maria guarda as fotografias e acende um cigarro. Fecha a pasta e guarda tudo na caixa de arquivo. Para quê lembrar isto agora? Não. Volta a tirar tudo, tem que ver o resto.

(continua)

Regresso ao passado I


Colocou a caixa de arquivo morto sobre o móvel. Não a abriu de imediato. O que estaria lá dentro? Já não se lembrava. Devagarinho levantou a tampa. Pastas. Retirou-as uma a uma. Duas. Três. Quatro. Cinco. Fixou-se nas duas últimas. “Avó Emília + Mamã”, leu na primeira. “Sara”, estava escrito na segunda. Ambas as etiquetas escritas com a sua letra. A tristeza invadiu-a, devagarinho. Antes não tivesse aberto a caixa. Inevitavelmente, teria que rever aqueles papéis. Regressar ao passado. Na primeira pasta, uma foto amarelada. Um grupo de pessoas. Adultos e crianças. Ao centro, uma senhora sentada numa cadeira de rodas. A avó Emília. À sua esquerda, a mãe, ainda mulher jovem, com o seu sobrinho ao colo. Hoje um homem de 42 anos. Tios, tias, primos… gente que já morreu. Registos de infância, de homens e mulheres, com quem convive hoje.

Novembro 1991 – Maria aguarda a sua vez para ser atendida. Está ansiosa. Impaciente. Mas reserva-se. Quando chega à sua vez, a funcionária da secretaria do hospital, já sabe ao que vai. Com simpatia, manda-a aguardar e vira costas. Volta rapidamente com uma folha de papel azul, e comenta que Maria vai ficar desiludida com o conteúdo do documento. Maria não presta atenção à voz da senhora. Não ouve, sequer. Percorre com os seus olhos ávidos, as palavras escritas no documento. Encontra. "Diagnóstico: Mielite Transversa Paraplégica”. Sente-se aliviada por não ter lido “Paramiloidose” (vulgo Doença dos Pezinhos). No mesmo instante, é assaltada pela dúvida e questiona a funcionária, se não quererá dizer a mesma coisa. Não. Respondeu a senhora. E adianta que Mielite Transversa Paraplégica, é uma consequência, um estado, originado por uma doença, quer dizer apenas que o doente é paralítico, não especificando a causa. Maria esboça a desolação no rosto. Afinal, não tinha obtido resposta. No dia anterior, tinha pedido por escrito, depois de explicar as razões, àquela funcionária, uma Certidão com Diagnóstico de Doença, relativa à sua avó Emília. Com urgência. Era necessário despistar Paramiloidose. E afinal, não há diagnóstico. A funcionária comove-se com a desilusão de Maria. Explica-lhe que naquele tempo era diferente. A medicina não estava tão avançada. Muitas vezes, não se sabia de que doenças padeciam as pessoas. Maria não diz palavra. Não levanta os olhos da folha de papel azul que tem nas mãos. Faz-se silêncio. A funcionária, pede-lhe para aguardar e sai do gabinete. Desta vez, demora-se. Quando volta, traz consigo mais papeis. Folhas compridas e estreitas, amareladas pelo tempo. Com um ar comprometido, mostra-lhas, poisando-as sobre o balcão. Maria observa as folhas. É o registo do último internamento, diz a funcionária. Adianta que vai fazer fotocópias e lhas dá. Quê as leve. Que as dê a ler ao médico. Oxalá, possam ajudar. Era o máximo que podia fazer. Maria percebe que a senhora não está autorizada a fazê-lo. Que não está a cumprir regras. Mas aceita. Concorda e agradece insistentemente. A funcionária fala-lhe de uma médica, desse tempo, ainda ao serviço. Que a procurasse, que tentasse falar com ela, ver se se lembraria de alguma coisa.

Passados 13 anos, tem novamente estas folhas nas mãos. Não lhe serviram de nada. Recorda com carinho a atitude da funcionária. E volta a percorrer com os olhos, os vários tipos de letras manuscritas nas folhas. Seguramente, escritas por várias pessoas. Algumas perfeitamente ilegíveis. O registo, dia a dia do último internamento da sua avó. Nunca a conheceu. Estas folhas, nas suas mãos, resultam no momento em que mais perto esteve dela. Desde Janeiro de 1964, a Julho do mesmo ano. “Alta a pedido da família”, lê. Para ir morrer em casa, sabia. Tinha-lhe contado a sua mãe. Morreu 2 dias depois de sair do hospital, confirma a Certidão de Óbito Os medicamentos que tomou, análises e exames que fez e seus resultados, registos de temperatura. Transfusões de sangue e sua quantidade. Um visto, em "alimentação". Sem visto, se não comeu. Três ou quatro pontos de interrogação. Os médicos andavam à nora, pensou. “Foi a ureia que a matou”, entoa a voz do tio, na sua memória. Foi a ureia que a matou. “Ureia no sangue”, lê agora. Um visto, à frente da frase. O tio tinha razão. Foi a ureia que deu o golpe final. Doze anos, num hospital, quase ininterruptamente. Os últimos da sua vida. Um dia, acordou de manhã e não andava. As pernas não obedeciam. Nunca mais obedeceram. Morreu com 42 anos. Uma mulher bela, na sua juventude. Rosto de mulher fatal, registaram as muitas fotos que lhe fizeram. Lábios rubros e brilhantes, cuidadosamente delineados e pintados. Poses de estrela, com luz posterior a esbater os cabelos negros, compridos e ondulados. Unhas longas cuidadosamente tratadas, em mãos que ora apoiavam o queixo, ora soltavam o cabelo, ora se cruzavam sobre os joelhos dobrados. Tantas fotografias conhece Maria, da sua avó. Quase todas de posse da sua mãe. Mas viu outras, que lhe mostraram orgulhosamente, o seu tio e a sua tia-avó. Linda de morrer, em todas elas. Digna de ser mostrada, de facto. Generosa, segundo consta. Amiga de ajudar o próximo. Maria, sempre teve pena de não a conhecer.

(continua)

sexta-feira, agosto 27, 2004

A minha melhor amiga


Linda!... sei que te vou por a chorar. Faço-o, porque estou certa que não vai ser um choro de tristeza. Apenas te vou comover. E nem é por isso sequer, que o faço. Estas linhas têm que ser escritas, como algo que se deve fazer, sob pena de não ter sido feito. A angústia da oportunidade que se perdeu. Tem-me dado para isto, ultimamente. Deve ser da idade. E isto da blogosfera é um óptimo fio condutor. Alguns aproveitam para expressar opiniões. Eu cá… digo tudo como os malucos. O que me vai na alma, claro. Por isso, encosta-te e acende um cigarro. Manda os putos para a tua sogra. Desliga o telefone e lê-me… se fazes o favor. É para ti que escrevo e todos, vão ser testemunhas.

Há uns tempos, escrevi No Domingo Passado (já o publiquei). A propósito do Livro do Riso e do Esquecimento, de Milan Kundera, falei de ti. Sim, foste tu que mo oferecestes, antes de ir embora. Referi-me a ti, como “aquela que foi um dia, a minha melhor amiga”, como se já não fosse. Foi assim que escrevi. Confesso, que nestes últimos 10 anos, em que não te ponho a vista em cima, me surgiram algumas (poucas) dúvidas. Esse deve ter sido um dos dias. Tens que convir, que legítimas. Tu própria, as deves ter tido, também. Não será patético, referirmo-nos a uma pessoa que já não vemos há 10 anos, com quem falamos meia dúzia de vezes por ano (ao telefone, claro está) como sendo a nossa melhor amiga? Afinal, acabamos por ter outras amigas que nos estão mais perto, a quem vemos os olhos, a quem damos abraços, com quem trocamos desabafos. Tenho razão, ou não (apesar disto estar a parecer um discurso)? É, linda!... eu sei que te revês nestas palavras e sabes onde quero chegar. E nem os olhos me vês.

Melhor amiga? Que lamechice. Sim, será. Para muitos. Não para ti. Ainda por cima, agora. Longe da Pátria. Longe da família. Longe da língua. Fechada em casa, com 2 filhos. Eu sei que te vai saber bem, Ivone. E juro-te, que a mim, também.

Eu sou a Ana Quinteiro. Tenho 41 anos. A minha melhor amiga é a Ivone Leite. Conheço-a há 21 anos. E acho que vai ser sempre a minha melhor amiga. Porque nem precisa de me ver os olhos para saber o que sinto. Porque se vê doida para adormecer, depois de falar comigo ao telefone. Porque se sente pequenina, cada vez que os meus problemas lhe invadem o pensamento. Porque não me abraça há 10 anos e continua a ter vontade de o fazer.

Desculpa, linda!... tinha mesmo que ser. Tu lês-me aqui, todos os dias. Hoje escrevi eu para ti, em público.

Beijinho grande. Muita saudade.

quinta-feira, agosto 26, 2004

Poucas e curtas

Chegaram. Todos. Sãos e salvos.
Não sei porquê... ... sinto-me como se tivesse crescido 2 ou 3 cm.

Um, dois, três... deu três pulinhos no tempo

(Dedicado a um fantasma chamado Riacho)

Devagarinho, veio ter comigo, cabisbaixa. Podia não ter reparado, aflita que estava nos meus afazeres. Mas reparei. E perguntei-lhe, enquanto limpava as mãos:

- Oh, filha!... Estás a fazer beicinho?

Desatou a chorar com o queixo apoiado na minha mão. Queixou-se do irmão, que lhe tinha atirado com o corpo do Snoopy à barriga (da cabeça, já não sabemos). Levantei-lhe a camisola, dei-lhe um beijinho na mancha mínima e rosada, que lhe encontrei na pele. Abracei-a. A cabeça dela, dá-me acima da barriga, abaixo do peito. Encaixa lindamente. E ficámos assim, uns minutinhos. Já é hábito. Das outras vezes, costuma dizer que ouve o meu coração. Hoje não teve tempo. Porque lhe disse que me sabia bem, a cabecinha dela… ali encostada a mim.

Lembrou-se então, que ia crescer e já com os olhos a brilhar disse:

- Quando tiver 10, dou-te por aqui. Marcou-me o pescoço com a mão.
- Quando for como a Inês, dou-te por aqui. Em bicos de pés, tocou-me na testa.
- E quando for como tu… …

A sorrir, deu um salto com o braço esticado. Imediatamente após, perguntou-me, fechando o sorriso:

- Oh, mãe! O avô usa fralda?
- Não. Respondi-lhe.
- É que a Margarida disse que todos os velhotes usam fralda.

A Margarida é uma colega dela. Mais velha, 15 dias.

- Nem todos. Respondi-lhe eu.
- Então, tu não vais usar.
- Não. Respondi-lhe convictamente.

Ia a virar costas, para se ir embora, aliviada. Eu não deixei. Contive a força nas mãos e apertei suavemente o rosto dela. Aproximei-me tanto dele, que nem via os totós que lhe fiz, hoje de manhã. E fiquei assim, a olhar aquele rosto de criança feliz. Disfarçando o olhar, roubei-lhe aquele sorriso. Tinha que o fazer. Disfarçar o olhar para que não me visse a tristeza. Roubar-lhe o sorriso para o guardar eternamente. Porque esta minha filha de 6 anos, que me consegue ler a alma, deu 3 pulinhos no tempo e chegou aos 40 anos. Afligiu-se. Não com os 40 anos dela, mas com os 34 que tenho a mais. Viu-me velhota e doente. Teve medo. E naquele momento em que retive o rosto dela entre as mãos, vi-lhe nos olhos o amor que me tem e no sorriso, a felicidade de me ter.

Finalmente, deixei-a ir. Foi-se embora aos saltaricos. Feliz e descansada. Eu retomei os meus afazeres, presa àquele sorriso. Mais tarde pensei que tenho que a deixar crescer um pouco mais e desdramatizar este uso de fraldas, dos velhotes. Vamos lá ver se não me esqueço.


Escrito a 25 de Maio de 2004

terça-feira, agosto 24, 2004

Ansiedade


É uma das minhas características. Ok!... pronto… é um dos meus defeitos. Daqueles que me fazem perder quilos, se tiver mais que meia dúzia de horas nesse estado. A sério. Perco mesmo peso, acreditem. Não é por nada de especial, é mesmo porque deixo de comer como deve ser. A comida sabe-me mal… do género: a comer o mesmo bife com outra pessoa, o meu não se desfaz entre os dentes e o do outro, parece manteiga. Pois… se calhar, fico com falta de força nos dentes, sei lá…

Bom, mas falava eu de ansiedade. Este post é um teste. É mesmo para receber comentários (percebem?). Um teste à minha sanidade mental. Sim, porque com a idade, fui controlando a impulsividade e outras formas de estar, até mesmo, de ser. Mas em relação à ansiedade, cada vez estou pior. É que só me dá para dramatizar, assim… mesmo com imagens, e cenários, e tudo. Um horror.

Nunca comemoro aniversários em dias de semana. Porquê? Porque a maior parte dos convidados vêm de Lisboa (a 132 km daqui) e depois têm que voltar, percebem? Cansados, bebidos, noite fora… até chegar às casinhas deles. Podem ter um acidente, percebem? Enfim… há mais probabilidades, digo eu. Também nunca faço a festa a um Domingo. Há mais trânsito. O pessoal todo, a regressar da santa terrinha. É sempre a um Sábado. Às vezes, já nem o aniversariante se lembra que fez anos, mas pronto. Nenhum dos convidados sai daqui, sem me prometer que telefona quando chegar. Por isso, fico mais ou menos, 2 horas à espera que me telefonem. Quando se esquecem… lá estou eu. A telefonar, não e?

O meu irmão mais novo (tem menos 7 anos que eu) faz anos dia 8 de Dezembro. É sempre feriado, como sabem. Por isso, começa a comemorar o aniversário na véspera e estende-se enfim… até aguentar. Nunca antes de ser dia. Desde que começou a sair à noite, com 17, 18 anos, ainda em casa dos meus pais, que odeio a noite de 7 para 8 de Dezembro. Já vai a caminho dos 34 anos… e raios partam!... o rapaz nunca mais assenta. Um jantarinho em casa, sei lá… uma coisinha assim… mais sossegadinha.

Mas, em relação a ele, estou melhor. Aqui há uns anos, quando a ansiedade chegava ao pique mais alto, até via carros a rebolar por ribanceiras, ouvia sirenes de ambulância e se o telefone tocasse nesse momento, ficava histérica. Ainda hoje, se o telefone me tocar depois da meia-noite, sem eu estar à espera de chamada nenhuma, demoro-me o mais que posso a atender e do lado de lá, nunca ouvem à primeira o “Sim?” que murmuro.

Também não acho piada nenhuma aos Passeios Grandes que fazem aqui na escola dos meus filhos. Todos os anos há um. Passeio grande, porque é para longe, percebem? Saem daqui de manhã cedo e só voltam à noite. Um suplício. Começo com 15 dias de antecedência a pensar no que é que vou fazer nesse dia. Sempre programas hilariantes, que é para ver se me esqueço. Mas nunca consigo escolher um. Por isso nesse dia, não faço rigorosamente nada. Ou melhor… há uma coisa que eu faço sempre. Vou não sei quantas vezes com a mão ao bolso, para tirar o papel onde assentei o número do telemóvel das professoras. Lá me consigo conter. Mas é só por vergonha, juro.

É. De facto centro-me muito nos acidentes de viação. Comecei a ganhar particular receio às lombas. Imagino, sei lá… que podem sempre vir em sentido contrário, Mercedes fora de mão. As ribanceiras e as curvas apertadas também me assustam. E os condutores que conduzem a 220 Km/h. E não. Nunca tive nenhum acidente, em que fosse eu a conduzir. Felizmente.

Pois. Os meus filhos estão fora. E andam de carro de um lado para o outro. Vou ver se durmo. É que só me sinto ansiosa, quando estou acordada. Boa noite, amigos.
Ah!... não quero cá comentários a aconselharem-me ansiolíticos, hã?!...


segunda-feira, agosto 23, 2004

Amar incondicionalmente

Ok! Confesso que tenho andado a reflectir sobre esta questão. E parece-me estar perto da minha conclusão. Pois… sou uma mulher de convicções. Preciso delas, bem arrumadinhas na minha cabeça.

Fala a Inconformada dos seus cães. Falo eu do Zé Matias. De filhos. De portos de abrigo. De mim própria. Fala o Yardbird da sua Mary. Eu cá… acho que nada acontece por acaso. E é muita coincidência junta. Reunir provas para a evidência. Qual?

Só se resolve esta questão do amor, se o tornarmos incondicional, de facto. Amar o próximo. Amarmo-nos a nós próprios. Só isto. Sem qualquer espécie de exigência. Sem qualquer espécie de condição. Já estou a ver alguns de vós a pensar… “Ah, pois!... isso é muito bonito de dizer… só que é uma gaaanda tanga. Amamos… logo, queremos”. O sentido de propriedade, sim. É o principal motivo. Aquele que lixa tudo. Se o quisermos adicionar ao amor… tá tudo lixado. Isto é… se precisamos de um certificado de propriedade, está tudo lixado. Não me consigo fazer entender, pois não?

Ora, vejamos… os filhos são nossos, por isso não temos que os querer. Já são, não é?
O Dusty é da Inconformada e a Inconformada é do Dusty. A Mary é do Yardbird. A Elisa é do José Matias. Não se questiona aqui o direito de propriedade. Apenas é assim. Sem ser necessário qualquer tipo de certificado. É e pronto… por isso não se quer que seja. É como a ideia dos portos de abrigo. São nossos. É ali que nos acolhemos… de verdade. Interessa lá, quem tem o direito de propriedade.

Isto é, se nos reportarmos para o amor pelo próximo… “Amar sem olhar a quem” todos conseguimos perceber isso. O amor do útero, também é fácil de compreender. É o outro que é difícil porque lhe pomos logo condições. É um bocado como a história da felicidade. Só hei-de ser feliz, quando tiver isto ou aquilo. Isso pressupõe que até lá não sou feliz. Fazemos da felicidade um fim, um objectivo, um destino ao qual queremos chegar, quando ela devia ser um caminho. Cometemos o mesmo erro com o amor.

É claro, que a moldura disto tudo é o respeito. Respeitar o objecto amado. Respeitarmo-nos a nós próprios. Respeitar o próprio conceito de propriedade. Isto é, no que diz respeito ao amor e às pessoas, “ser meu” é apenas “sentir meu”, não é “é meu, logo posso fazer o que quiser, exigir o que me apetece”.

É claro que há exigências que funcionam. Acordos que se estabelecem, baseados na ética, no compromisso. Alguns funcionam, como um negócio que se fecha a bom termo. Que se faz cumprir. Mas aqui, meus amigos… não estamos a falar de amor. Quanto muito, estamos a falar de respeito. O que também não é de desprezar. Para muitos é quanto basta. Cá para mim, tal como já disse no último post, é a forma melhor suportável, de viver relacionamentos. É preciso é ter essa natureza.

José Matias

Isto do amor, tem muito que se lhe diga. E pode-se dizer tudo (como os malucos). Das mais variadíssimas formas. Todas questionáveis, se nos quisermos dar a esse trabalho. Ou aceitáveis, se não estivermos para aí virados. Refiro-me ao Amor, propriamente dito. Aquele que realmente existe, ou devia existir. Não exactamente ao conceito de propriedade ou compromisso, que muitos confundem com amor. A mim parece-me mais uma questão de ética. E refiro-me também ao amor sem laços de sangue. Porque o que temos aos nossos filhos e eles a nós, (irmãos, enfim)…é regra geral, incondicional, logo inquestionável. A esse, passo à frente. Hoje.

Cada vez que me ponho a pensar nisto do amor, que nos faz tanto bem e tanto mal, lembro-me sempre dos Estados de Kubbler Ross: Raiva. Negação. Negociação. Depressão. Aceitação. Ok! Eu sei que foi aplicável a doentes terminais. O que à partida, não terá nada a ver com amor (ou terá?). Mas parecem-me nitidamente, as várias etapas de um amor que se vive. Em maior ou menor espaço de tempo. Com ou sem final feliz. Aqui, a única diferença é o estado de depressão. No final infeliz, depressão, tem o sentido de crise, conflito. No final feliz, tem o sentido de concavo, ninho. Nos outros estados, o sentido é igual, para os dois finais.

Raiva – Estou apaixonada. Porra!... Ok! É bom, quando vivemos momentos de envolvente magia. Cumplicidade. Olhamos nos olhos e sabemos… Ouvimos a voz e dulcificamos. Mimos. É bom, sim. Mas não é bom quando somos privados da companhia. Quando aparecem as dúvidas e nos fazem fragilizar as certezas. Por isso, a raiva. Muitas vezes, não queremos estar apaixonados.

Negação – É para este estado que passamos, a seguir. E lá permanecemos, durante algum tempo. Não interessa nada se os momentos de magia são em maior quantidade que os de incertezas. Pois… eu sei que devia interessar, mas a verdade, é que não interessa. Passamos sempre à fase da negociação. Ok!... pronto!... se os momentos de incertezas são em maior número, passamos mais depressa ao estado da negociação, que é para ver se acabamos com o suplício depressa. Se não, andamos ali mais tempo a bater com a cabeça nas paredes.

Negociação – É a fase que eu gosto mais. A sério. Tornamo-nos muito imaginativos. Se formos espertos e percebermos em que fase é que estamos, saímos a ganhar. Caso contrário, nem nos apercebemos que passámos por esta fase. É nesta fase que se define qual dos dois é o sofredor. Qual dos dois é que dá menos (ou não dá nada). É neste estado que se definem os papeis. Ok! Por mim, só fazes isto… o resto, continuo eu a fazer. Melhor ainda… não faças nada por mim, ama-me apenas. Protege-me só quando eu pedir. Dá-me espaço. Eu sou eu. Tu és tu. Não confundamos as coisas. Mas, porra!... não ensurdeças. Este é o melhor acordo. Garanto-vos eu.

Depressão – Já falei dela. Pode ser a melhor. Pode ser a pior. Se for a melhor, passamos ao estado da aceitação, sem dar por ela. Se for a pior… mais cedo ou mais tarde percebemos o que é que temos que aceitar.

Aceitação – Ou sim… ou sopas. Ou vivemos felizes até que a morte nos separe. Ou vivemos felizes até que a morte nos separe, mas cada um para seu lado. É tão simples como isso. E é preciso aceitar. Porque viver infeliz até que a morte nos separe, é que não dá.

Só há aqui um pormenor que me escapa à compreensão. Que faz com que esta ideia, não passe de uma teoria, porque não a consigo comprovar. Porra!... detesto que isto me aconteça. Abana-me a pose toda. Refiro-me ao José Matias. Sim, o do Eça de Queirós. O amor platónico. Esse não se encaixa aqui. Assim, à primeira… parece quase perfeito, não fosse a ausência do contacto pele com pele, indispensável, digo eu. Sempre pensei no José Matias como um gaaanda tanso. Um homem livre e descomprometido… pff!... vá-se lá perceber…Mas, não sei… começo a ter as minhas dúvidas. Na volta o homem até era esperto, se me esquecer do final de vida que teve. Amou a Elisa até ao fim, sem passar por nenhuma fase Kubbler Ross. Isto é, entrou directamente na aceitação. Mas coitado… se não penou com os estados anteriores, este arruinou-lhe a vida. Esperto? Talvez. Se a intenção dele era viver para amar.

Não sei. Agora, assim de repente… acho que espertos são os que confundem o amor com o conceito de propriedade e compromisso. Será que confundem de propósito? Pois… claro… só pode ser.

sábado, agosto 21, 2004

Hoje não me apetece escrever na primeira pessoa


Voltou para dentro. Fechou a porta atrás de si. Lá fora a poucos metros de distância, afastava-se o carro onde seguiam os seus filhos pequenos. Iam passar o fim-de-semana com o pai. O primeiro. Estavam tristes, sem entusiasmo. Afinal era a primeira vez que estariam separados mais do que 48 horas. Despediram-se até poder. Até deixarem de se ver. Até a estrada acabar.

Tentava conter as lágrimas. Ser razoável. Hesitante, vacilava entre a razoabilidade e a entrega total à angústia da separação. Acabou por desmoronar. Afinal, ninguém a vi-a. Caramba!... podia chorar à vontade. Soltaram-se as lágrimas, enquanto ligava o hi-fi. Sonhos, de Caetano Veloso. Era o cd que estava na gaveta do hi-fi. Talvez a música a conseguisse distrair. Ou talvez fosse o elemento que faltava para completar o cenário. Entrega total à doce tristeza.

Não. Mudou de ideias. Esta música não. Trocou o cd. Nem chegou a ouvir o segundo. Mudou de ideias novamente. Desligou o hi-fi e ligou o pc. Porto seguro. Atracou. Chorou. Escreveu. Desta vez, foi rápido. Secaram as lágrimas num instante.

Agora sim. Eat the rich, Aerosmith. 30 db. Fechou as janelas. Decide que vai sair. Tem que se despachar até à 8ª música, Cryin. Esta já não quer ouvir. Provoca-lhe sempre a sensação de saudade de algo que nunca teve. Estranhíssima. Ora doce, ora desconfortável. Mais sensações de complexa percepção, não.

Banho. É isso. Um duche alivia-a sempre. O toque da água morna a correr alegremente pela sua pele. O perfume do gel de banho. Do shampoo. O barulho da água a cair no chão. Não pensa em nada. Despacha-se apenas.

Trata de si. Hoje é dela que vai tratar. Está disponível. Olha-se ao espelho. Agrada-lhe aquele contraste da pele morena com o imenso branco da roupa interior. Hoje é branco, sim. T-shirt branca. Calças de ganga. Chinelos a desnudar os pés. Põe o melhor perfume. Ajeita o cabelo. Hoje fica solto.

Telemóvel. Carteira. Tabaco. Tudo para dentro da mochila. Pega nela para sair. Está leve. Falta-lhe os boletins de saúde dos miúdos, as duas garrafinhas de água (têm sempre sede na rua) a chucha e a fralda da filha mais nova. Parece-lhe agora, que a mochila tem o peso ideal. Dirige-se à porta. Ah!... a música. Tem que desligar o hi-fi. Volta atrás no preciso momento em que se faz ouvir Cryin. Mas não desliga. Ouve-a até ao fim.

Numa paz de espírito imensa, desliga o som e sai de casa. Uma festinha ao cão antes de entrar no carro. Marcha-atrás. Desce pelo mesmo sítio que os filhos desceram à pouco. Está segura. Repara nas mãos pequenas e morenas sobre o volante do carro. Nos dois anéis de prata que usa no anelar esquerdo. Agrada-lhe. Gosta mesmo de se ver com aquele tom de pele. Vai segura. No pensamento, os seus filhos, o porto de abrigo. Primeira paragem. Multibanco. Carregar o telemóvel. Minimiza a distância até aos filhos. Depois… logo se vê. Mas o dia vai correr bem. Tem a certeza disso.



Pois… de facto, hoje não me apeteceu escrever na primeira pessoa.

sexta-feira, agosto 20, 2004

Agradecimento público I


Uma das minhas grandes preocupações nesta coisa das palavras escritas, é evitar as lamechices. Confesso que tenho tendência para me enrolar nelas. E não gosto. Esforço-me bastante para contrariar essa propensão. Umas vezes melhor sucedida que outras.

Seja como for, o mote deste post, é por si mesmo, lamechas (compreenderão mais à frente porquê… os que compreenderem alguma coisa). De maneira que depois de andar para aqui às voltas para tentar definir a forma como o deveria escrever, decidi que me deveria concentrar no seu próprio conteúdo. Isto é, da lamechice não me safo, vamos portanto ver, se me consigo fazer entender.

Ok. É um agradecimento, sim. Não me sinto obrigada a fazê-lo, não. Se sentisse, se calhar não o fazia, já que também tenho tendência para ser um bocadinho torcida. Mas quero fazê-lo. Se o motivo da gratidão pode ser imperceptível, melhor dizendo, incompreensível, a situação que o origina pode ser datada e descrita.

Dia 3 deste mês… preparava-me para ir de férias, ou deveria estar a preparar-me. No entanto, acordei tal como me tinha deitado na noite anterior… deixem-me usar a palavra, desfeita. Vim espreitar o meu blog, não sei se antes, se depois dos vossos. Tinha um comentário que ainda não tinha lido, no penúltimo ou antepenúltimo post. De uma mulher. A primeira mulher a manifestar-se com um comentário. Muito simples. Muito discreto. Fui espreitar o blog dela. Perdi a noção do tempo. À medida que o ia lendo, fui passando para outra dimensão. Mais leve. Mais desprovida de efeitos, isto é, apenas lia. No fim, definiu-se então, um resultado. Já não me sentia singular. Ou seja, afinal há pessoas que partilham comigo ideias, sentimentos, convicções, que antes da leitura, eu tinha interiorizado serem exclusivas. Dolorosamente, minhas. Pessoas que não conheço de parte nenhuma. Com quem nunca troquei uma palavra. A quem nunca influenciei. Uma mulher. Cujo carácter, reconheci sem esforço. É exactamente isto, que tenho a agradecer. A sensação de não ser única. Naquela altura, confortou-me imensamente. O meu escudo de protecção desactivou. Levantei-me e fiz as malas. Fui de férias com os meus filhos.

E pronto, está feito. Confesso que custou um bocadinho. Acabo de ter a impressão que este é o post que mais jus faz, ao título do blog.

E agora… outra coisa… volta e meia, lá aparece um comentário no meu blog. Não sei se vai aparecer algum por baixo deste post, mas se houver algum, fica já aqui manifestado que não gostaria de ler nele, 3 palavras seguidas: não, era e preciso. E agora, para os engraçadinhos que gostam de me desafiar (sim, mais um recado)… nada de comentários com uso das mesmas palavras, intercaladas com outras, mas sublinhadas, do género: Acabei por não perceber nada do que para aí escreveste. Afinal?... era para agradecer, ou não? Acho que preciso de voltar a ler o post mais algumas vezes, a ver se compreendo. Mas não agora. Talvez numa altura em que já me tenha esquecido : ) Também não vale deixar comentários assinados com N.E.P. (não era preciso) ou N.E.N. (não era necessário)… mais?... Ok!... depois destes recados, já sei que há-de haver um, a furar o esquema. Estou cá para ver qual é o habilidoso, eheh.

Ah!... já me esquecia… “Agradecimento público I”, porque é o primeiro. Há mais. Mas as "vítimas", são outras pessoas. Oh pá!... está-me a dar para isto. E agora?... Alguma razão haverá. Mas, pronto… assim um agradecimento de quando em quando, para não enjoar.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Crescer demais


Razão, é a verdade
Não é discurso.
Amor, não se anuncia
Cultiva-se. Faz-se sentir.
Respeito, não é autoridade
É conquista.
Tolerância é generosidade
E arrogância, a falta dela.
Por isso,
"O melhor do mundo são as crianças".
É pena… todos nós crescermos tanto.


Este texto foi escrito em Julho de 2002.
Escrevi-o para o oferecer. Se é que um texto, concretamente um texto deste teor, pode ser considerado uma oferta… principalmente para quem o recebe. Mas, na verdade, fiz dele uma oferta (e deliciei-me com isso) entregando-o em mãos, à primeira Educadora da minha filha mais nova, exactamente no final do ano lectivo, ao invés do comum “tive muito prazer em conhecê-la” que era suposto ter verbalizado. Não. O raio da mulher, não o leu à minha frente. Anteviu que dali não podia vir boa coisa. Sim, porque a senhora era desprezível, mas de estúpida não tinha nada. E lá deve ter feito o tempo correr para trás, naquela fracção de segundos, lembrando-se dos dissabores que lhe causei ao longo de todo o ano. Adivinhou por isso, que era mais um.

Na verdade, também não tinha grandes esperanças que a senhora lesse o texto à minha frente e imediatamente após a leitura, desse com a cabeça nas paredes. Era bom demais. A bem dizer, não tinha esperança de coisa nenhuma, exceptuando a de não voltar a saber daquela Educadora, colocada nos anos seguintes, no Jardim da minha filha. Talvez a pudesse desencorajar a concorrer àquela escola. Mas nem foi por isso que lhe ofereci o texto. Fi-lo por mim. Era suposto, ser o golpe final. Enfim, um registo para a posteridade que não a fizesse duvidar do desagrado que me causou enquanto profissional de educação. E não… nunca considerei a hipótese de ela não ter lido o texto. Gosto até de a adivinhar a precipitar-se para o envelope, mal eu virei as costas.

Ok. Vocês são todos espertos e já perceberam que este texto, ou a ideia que nele é manifestada, não tem só a ver com o universo escolar. Perceberam isso pela quantidade de palavras que usei no seu comentário. Perceberam isso porque não entrei em pormenores. Afinal, que raio fez a mulher? Perguntarão alguns. A mulher… fez muita coisa mal feita, mas já lá vai mais de um ano e se a visse agora, acho que nem rosnava.

A verdade é que este texto, que até tenho memorizado integralmente, tem surgido à superfície vezes sem conta, como um lembrete daqueles bem persistentes que teimam em não nos fazer esquecer de algo muito importante. Algumas vezes como uma espécie de máxima proferida por um qualquer sábio, ou como uma teoria que entretanto foi estudada e experimentada vezes sem conta, tornando-se num dado provado e adquirido.
Outras vezes… como a imagem que se vê ao espelho.

terça-feira, agosto 03, 2004

Foi por causa das osgas


Pois… a esta hora, já eu devia estar a caminho da praia para passar as primeiras férias da minha vida, sozinha com as minhas 3 crianças. Mas ainda aqui estou e… ainda nem as malas fiz.

Então?... Já não vou?

Vou sim. Estou só à espera que me recompor. Ontem desmontei-me toda. A desmontar é rápido. Demora mais tempo a voltar a por tudo no sítio, outra vez. Mas já está quase. E lá para as 3 horas da tarde (com o respectivo atraso) conto estar a caminho, com os meus únicos bens, no banco de trás do carro. E ao final da tarde vamos molhar os pés na praia e fazer o reconhecimento ao local onde iremos passar os próximos dias.

Mas tenho que dizer aqui uma coisa… É curiosa, a forma como às vezes, encontramos força para por o esqueleto de pé (expressão roubada ao Manuel do H Gasolim). Hoje então, foi mesmo curiosa. Vim visitar o meu blog e encontrei um comentário no post Osgas Outra Vez. De uma mulher. A primeira que me deixou um comentário. Nada de especial, vos garanto. Já o blog dela… meus amigos… perdi-me com ele. E há mesmo 2 ou 3, que parecem ter sido sugeridos por um qualquer professor, ou seja, “têm aqui um tema… desenvolvam-no”. Formas diferentes de escrever a mesma coisa.

A identificação com as palavras dela, levantou-me o esqueleto. Estou a escrever outra vez e… já me apetece ir de férias. Tenho que lhe agradecer, quando voltar.

Fiquem bem, amigos.

terça-feira, julho 27, 2004

Um dia especial

Hoje deve ser um dia especial.
Os meus filhos levaram-me o pequeno-almoço à cama.
Um iogurte e uma colher de sobremesa.
Não se esqueceram do tabuleiro e do guardanapo.

Então?!... Têm 4, 6 e 9 anos.
Não se pode esperar mais…
Seja como for, soube-me como um manjar de deuses.