quarta-feira, março 23, 2005

O Sol

A propósito deste comentário da Fia, apeteceu-me publicar este post.

"Eu reconheço imensas coisas em mim que não me foram ensinadas, tão pouco vieram de pais...há coisas que não se conseguem explicar...só sentir...Mãe babadona...Bijo"

Separaste bem. As coisas que nos são ensinadas e as que herdamos genéticamente. Por vezes não são coincidentes. Não me perguntes porquê, nunca tive conversas com o meu filho, mas a verdade, é que ambos temos um interesse muito particular pelo Sol. Ambos gostamos de escrever histórias sobre ele. Eu já escrevi várias e ele nunca as leu. Tens razão. Há coisas que não se conseguem explicar... só sentir. Quanto à mãe babadona... Ora vê...

Era uma vez o Sol que encontrou uma nuvem.
A nuvem pôs-se à frente do Sol.
O Sol disse:

- Podes sair da minha frente?
- Não - Respondeu a nuvem.
- Porquê?
- Porque não quero sair da frente - Voltou a dizer a nuvem.
- Ai, é? Então já te mostro - Disse o Sol.

Chamou o seu amigo vento e pediu-lhe que afastasse a nuvem.
O vento soprou forte e a nuvem saiu da frente do Sol.
E assim, o Sol continuou a brilhar.

(escrito pelo meu filho, aos 9 anos de idade)

Havemos de lá chegar

(dedicado ao meu filho)

Voltei.
Da avaliação da escola.
Com a emoção à flor da pele.
Não almocei.

Mais de uma hora a falar sobre ti, com a tua professora.
Li as tuas composições. As tuas auto-avaliações.
Emocionei-me vezes sem conta.

É sempre assim, eu sei.
Mas a intensidade é grande. Não é um momento qualquer.
Nem só uma avaliação a ti. Eu própria, sou sempre posta em questão.

De um sopro só, sem uma palavra, dava tudo por um abraço teu.
Eu sei que te esforças. Conheço a tua fragilidade.
Sinto-me pequenina. Impotente.
Mas filho, havemos de lá chegar.

Não estou desiludida, não. Nunca.
Adoro a forma como cativas as pessoas.
Como as incentivas a acompanharem-te. Como as mobilizas.
É um dom que tu tens, que eu não te ensinei.
Mérito próprio.

Havemos de lá chegar.

terça-feira, março 22, 2005

Oficial e Cavalheiro


Do filme, pois.
Não vou fazer nenhuma crítica ao filme.
É apenas um registo, que volta e meia, vem… e vai… e torna.
É apenas o registo… do maior desengano da minha vida.

Vi o filme, não sei… com 18, 19 anos… já não faço ideia.
Era romântica, demasiado romântica, e acreditava que entre o homem e a mulher existia uma espécie de engrenagem que punha tudo a mexer.
O exemplo do meu pai e da minha mãe, tinham contribuído para este conceito de quase perfeição. Não era sequer um conceito de família. Era mesmo o conceito de união. Inevitável. Uma espécie de metamorfose, só que entre dois seres.

Estava tão certa disso, que o final do filme me comoveu. O final feliz, quero dizer. Afinal, o rapaz tinha compreendido. Finalmente, tinha compreendido… a ideia da metamorfose. Rendeu-se. Voltou. E, metamorfoseou-se. Ela claro, mais esperta, já tinha percebido. Foi difícil convencê-lo. Fazê-lo acreditar. Mas, lá conseguiu. Por isso o final foi feliz. A música… ah!... a música… acho que me fazia acreditar em qualquer coisa.

Ao longo do tempo, ao longo dos anos… esse filme tem-me acompanhado. Volta e meia, levo com ele pela frente. Entra-me pela casa adentro, através da televisão… invade-me o pensamento, através do registo que deixou. Entretanto, um registo de mutação. De uma mutação terrivelmente triste, na qual não gosto habitualmente, de pensar.

Afinal, em que acreditava eu? Eu, enquanto mulher. Que existia algures um homem, que havia de ser meu, no sentido em que juntos, nos metamorfoseávamos dando origem a uma união colorida e plena de luz? Numa visão mágica, sim. Numa mais romântica, seria um homem que me deixasse simplesmente, ser. Finalmente, de regresso à realidade, seria um homem que compreendesse tão bem como eu a individualidade de cada um de nós. Que a compreendesse, a considerasse e fizesse como eu, uso dela.

Hoje. Justamente, hoje, não é assim que penso. Ou talvez seja, já não tenho é esperança de viver um amor assim. E não é sequer pela idade que tenho. É mesmo pela constatação da dificuldade no acerto. É como encontrar uma agulha num palheiro. Não é o homem. É mesmo a metamorfose. A incompatibilidade não dá origem à união. À tal união, que me pareceu ter encontrado no meu pai e na minha mãe. Sem esforço. Simplesmente, engrenável. Incondicional.

Hoje. Justamente, hoje, percebi finalmente, que é precisamente por não saber viver o amor de outra forma, que decidi não viver nenhum.

Mas preciso de aprender. Aprender como se vive o amor de uma forma mais leve, menos vitalícia. Tenho que ensinar as minhas filhas, o meu filho. Porque, colocada a fasquia muito alta, é difícil depois, dar a volta por cima. O desengano é muito doloroso.

Já vi “Oficial e cavalheiro” não sei quantas vezes. Confesso que não gosto de o ver. Parece-me desonesto, do tipo “publicidade enganosa”. Mas, fico sempre à espera do fim. E… quando começa a música, quando começo a ouvir Joe Cocker, quando o rapaz entra por ali adentro… as minhas pernas perdem força, o meu queixo treme, aos meus olhos chegam as lágrimas. Comovo-me sériamente. Mas, nunca deixo que ninguém se aperceba.

Hoje teve que sair.
Desculpem.
Dizer tudo como os malucos.

sábado, março 19, 2005

Mais uma viagem

(desta vez, mais curta... leve... esvoaçante...)


Desci a escadas apressadamente, como de costume, com a mochila e a pasta. Abri a porta do carro, do lado oposto ao do condutor e atirei com as duas lá para dentro. Deixei a porta aberta e voltei a correr. Subo as escadas. Pego no cpu que já tinha previamente colocado no topo das escadas e desço novamente, desta vez com o cuidado necessário, para não me espetar ao comprido.

Encafuei o cpu aos pés do banco. Fecho a porta e dou a volta ao carro. Procuro a chave no bolso das calças e quando vou a abrir a porta… lá estava ele, 5 cm acima da fechadura, imóvel, contudo assustador. Era verde… ou seria castanho? Imenso. Olhos grandes. Pernas compridas. Acho que lhe vi uma língua bifurcada a espreitar. Fumo a sair pelas narinas. Mas… estava imóvel.

Porra!... pensei. O que é que eu faço?

Não tinha muito tempo para pensar, devido ao atraso de 10 minutos com que já estava, de maneira que agi inconscientemente (às vezes é a forma mais eficaz de agir). Devagarinho, meti a chave na fechadura e retirei imediatamente a mão. Não se mexeu.

Porreiro!... voltei a pensar. Vamos à segunda parte do plano inconsciente. Rodar a chave e abrir a porta.

Assim fiz, mantendo o corpo, o mais distante possível da porta. Entrei. Bati a porta rapidamente e olhei. Mantinha-se imóvel, sem pestanejar. Apenas me parecia ver a língua bifurcada e o fumo a sair pelas narinas, como único sinal de vida.

Caraças!... é obstinado. E agora? Não posso abrir a janela. Logo, não posso fumar. Filho-da-mãe. Bom!... nada de mais. Acendo o cigarro mais tarde, quando ele resolver sair… soltar-se… cair?!... sei lá…

Sigo viagem. Curta. Apenas 7 a 10 minutos. Faço a primeira curva. Faço a segunda curva. Olho pelo retrovisor. Continuava lá.

Chiça!... teimoso do caraças. Espera lá que eu já te digo. Vou entrar na recta.

Apanho a recta. 90 km/h.
Olho para o retrovisor. Ainda lá estava.
100 Km/h. Continua.
Vou empurrando o pedal com firmeza.
110 Km/h. Porra!... Ainda aí estás?!...

Tento observá-lo pelo retrovisor, atentamente, tanto quanto me é possível. Já só ia preso pelas patas da frente. As de trás estavam soltas, bem como o corpo todo. A boca parecia um saco cheio de ar, aberta até mais não. Os olhos… completamente alucinados. O sacana estava a gostar daquilo, só podia. Ou estaria com as patas dianteiras entaladas na porta?

Seja como for… 120 Km/h. Acho que ouvi um grito de satisfação. Só podia ter sido dele. Eu… continuava de janela fechada, apesar de já nem me lembrar do cigarro.

Acabou a recta. Tive que reduzir. Sempre de olhos postos no retrovisor continuei a viagem. Apanhei o sinal vermelho. Paro o carro. Olho pelo espelho. Continuava lá. Volto a olhar. Já não estava. Abro a porta imediatamente e espreito para o chão. O gajo estava vivo. É incrível. Olhou para trás, acho que sorriu e foi-se embora em altíssimos pulos.

As buzinas dos carros trouxeram-me a outra realidade. O sinal tinha mudado. Fechei a porta. Arranquei.

Juro que nunca tinha visto um gafanhoto tão grande, medonho e obstinado como aquele. Parecia um dragão, a sério. Pergunto-me: para onde quereria ele ir? À quanto tempo andaria ele à boleia? Qual o grau de QI daquele gafanhoto? Qual o grau de loucura? G’anda maluco.

…………………..

Ah!... tenho o cpu mais leve, pois. Estava carregadinho de todo o tipo de vírus e tretas do género. Tinha também uma carga considerável de jogos e demos que o meu filho se foi encarregando de coleccionar. Levei-o ao médico… ao cpu… e depois fiz o tratamento em casa. Está melhor. Já tenho acesso à net, ao final de quase mês e meio. O tempo é que continua a ser escasso… para escrever, digo eu.

Beijinhos a todos.
Obrigado por se manterem por aí.