terça-feira, julho 27, 2004

Um dia especial

Hoje deve ser um dia especial.
Os meus filhos levaram-me o pequeno-almoço à cama.
Um iogurte e uma colher de sobremesa.
Não se esqueceram do tabuleiro e do guardanapo.

Então?!... Têm 4, 6 e 9 anos.
Não se pode esperar mais…
Seja como for, soube-me como um manjar de deuses.

segunda-feira, julho 26, 2004

Afinal é mesmo solidão

Estava eu a dar mais um avanço, devagar, devagarinho, no Livro do Riso e do Esquecimento, de Milan Kundera (publicado em 1979) quando a dada altura, reconheço nas suas palavras uma inquietação, que me avassalou há uns dias atrás. Exactamente no dia que escrevi “Mais eu que isto… é impossível.”. Resolvi por isso, partilhar convosco, as referidas palavras. E, a seguir, vamos conversar…

…”Quero falar de outra coisa. Há algum tempo, atravessei Paris de táxi e o chauffer era conversador. Não conseguia dormir à noite. Sofria de uma insónia crónica. Que datava da guerra. Tinha sido marinheiro. O navio havia-se afundado. Ele tinha nadado durante três dias e três noites. Depois repescaram-no. Passou muitos meses entre a vida e a morte. Curou-se, mas perdeu o sono.
«Tenho atrás de mim um terço de vida a mais que o senhor, disse-me a sorrir.
- E o que faz com esse terço que tem a mais?», perguntei.
Respondeu: «Escrevo.»
Quis saber o que escrevia.
Escrevia a sua vida. A história de um homem que nadou durante três dias no mar, que lutou contra a morte, que perdeu o sono e que, apesar de tudo, conservou força para viver.
«Escreve isso para os seus filhos? Como crónica de família?»
Sorriu com amargura: «Para os meus filhos? Não lhes interessa nada. É um livro que eu escrevo. Acho que podia ajudar bastante gente.»
Esta conversa com o chauffer de táxi esclareceu-me repentinamente sobre a natureza da actividade do escritor. Escrevemos livros porque os nossos filhos se desinteressam de nós. Dirigimo-nos ao mundo anónimo, porque a nossa mulher tapa os ouvidos quando lhe falamos.
Vão responder que no caso do chauffer de táxi trata-se de um grafómano e não de um escritor. Comecemos então por delimitar os conceitos. Uma mulher que escreve quatro cartas por dia ao amante não é uma grafómana. É uma apaixonada. Mas o seu amigo, que tira fotocópias da sua correspondência amorosa para a poder publicar um dia, é um grafómano. A grafomania não é o desejo de escrever cartas, diários, crónicas familiares (ou seja, escrever para si ou para os que estão próximos), é o desejo de escrever livros (portanto, de ter um público de leitores desconhecidos). Neste sentido, a paixão do chauffer de táxi não é uma paixão diferente da de Goethe. O que distingue Goethe do chauffer de táxi é o resultado dessa paixão. A grafomania (a mania de escrever livros) adquire fatalmente proporções de uma epidemia quando o desenvolvimento da sociedade preenche três condições fundamentais:

1) Um nível elevado de bem-estar geral, que permite às pessoas consagrarem-se a uma actividade inútil;
2) Um grau elevado de atomização da vida social e, por conseguinte de isolamento geral dos indivíduos:
3) A falta radical de grandes mudanças sociais na vida interna da nação… …

… Mas o efeito, por contra golpe, repercute-se sobre a causa. O isolamento geral engendra a grafomania, e a grafomania generalizada reforça-se e agrava por sua vez o isolamento. A invenção da imprensa permitiu outrora aos homens compreenderem-se mutuamente. Na era da grafomania universal, o facto de escrever livros ganha um sentido oposto: cada individuo se rodeia das suas próprias palavras como de uma parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora.”

Uff!!!... Acabei. Então amigos, o que me dizem a isto? Dá que pensar, ou não?

Afinal, é mesmo solidão. Ou isolamento, o que em termos de resultado, me parece que vai dar ao mesmo. Esta história de andarmos para aqui, todos a blogar… Segundo o Sr. Milan Kundera, somos todos uns grafómanos, ou melhor, neste caso, blogamanos. Digo bem? Eu cá, acho que o senhor tem toda a razão. Eu, nesta minha pequenez de palavras e ideias… mas atrevia-me modestamente, a mais.

Preenchimento de linhas em branco, dizia o nosso par Manuel, do H Gasolim Ultramarino, num comentário que deixou no meu post Sinais de Alerta, que ironia do destino, apaguei indeliberadamente. Quereria ele dizer preenchimento de espaços vazios? Espaços sem nome. Haverá deste nosso lado real, em alguns de nós, algum espaço vazio, cujo preenchimento se faz com palavras escritas, para anónimos lerem? E será esse preenchimento eficaz? Se assim for, parece fácil. Coitados dos que não têm impulsividade para escrever. Ou seremos nós os coitados e eles, os restantes, os que não têm espaço vazio? Não havendo portanto, necessidade de qualquer tipo de preenchimento. Olha que bom!...

Grafómanos. Blogamanos. Talvez seja uma qualquer combinação genética que se forma para nos inquietar. Esta história das palavras com ânsia de se soltar, é uma verdadeira inquietação. Uma mania. Um vício. Uma necessidade absoluta de fazer sair. E nunca o espaço vazio ganha preenchimento.

Esta reflexão, sossegou-me confortavelmente em relação à questão da blogoesfera, da virtualidade, e dos perigos que é suposto, espreitarem de perto. Percebi entretanto, que a diferença entre a blogomania e a grafomania, é apenas uma questão de anos. Estou mais descansada. Mas porra!... se não é mau, é pior. Afinal também tem perigos. Solidão. Isolamento. Uma parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora? Livra!!!!!!! Estou mesmo assustada. É que eu, para além de ser uma fala-barato com as palavras ditas, com as palavras escritas, vou muito além da grafomania. Vacilo mesmo, entre a mulher apaixonada ou escritora de que fala Milan Kundera (ele não deu outra definição para as pessoas que escrevem cartas aos que lhe são próximos e eu também não me atrevo) e a grafómana ou blogamana. Ele é posts. Ele é mails. Cartas para amigas. Textos para a gaveta. Cartazes de protesto. Até cartas aos meus filhos escrevo, a contar como foi o primeiro dia de Jardim Infantil ou a primeira vez de qualquer coisa, claro, para lerem daí a uns anos. Estou lixada.

Afinal Jorge, “enredadoramente viciante”, não é a virtualidade ou a blogoesfera. É mesmo esta impulsividade desenfreada para a palavra preferencialmente escrita. E agora, que faço eu? Da outra vez identifiquei-me e desta? Tenho que prometer tentar não deixar crescer a minha parede de espelhos? Pois claro. Lá terá que ser. Eu cá acho que vou no bom caminho. Olha o que a voz que me chegou de ti, me deu que pensar… Pensar? Escrever!... Porra!... caí numa armadilha. Eu lá pensar pensei, mas escrevi que nem uma maluca. Estou lixada. Todos os assuntos são bons para me fazer soltar palavras.

Osgas outra vez

Os motores de busca são de facto, bem facilitadores. São contudo, uma rede de pesca miúda. Não filtram nada. Fala-se em osgas… e entre outras coisas, aparece o blog da anaquinteiro, com o post A Primeira Osga da Minha Vida.

É assim que se têm registado algumas entradas no meu blog. Perto de 10, já eu contei. Ih, ih, ih!... Afinal não sou só eu. Anda para aí o pessoal aflitinho com as osgas. Deduzi eu. Osgas em casa. Osgas nas varandas, nos alpendres. Osgas por todo o lado. A mim parece-me um filme de terror. E, se calhar, não é só a mim, ih, ih, ih…

Bom, deitei-me para aqui a magicar porque farão as pessoas buscas em relação a osgas. Quererão dar cabo delas, como eu? Se sim, vejam o azar daquelas que me vieram cá parar… partindo do princípio que leram o post até ao fim… grande desilusão terão apanhado.

Afinal, dá-se cabo das osgas com grunhidos e vassouradas, hi, hi, hi… coisa simples… digo eu, hi, hi, hi… será que experimentam?

domingo, julho 25, 2004

Foram feitas para mim

Pois eu hoje, atrevi-me a ir mais longe. Saí de carro com os meus três filhos pequenos. No meu velho Nissan Sunny. Eu ao volante, pois claro. O destino era uma sala de cinema na cidade mais próxima, mas aqui na zona, é programa de difícil termo bem sucedido. Há filmes diferentes, a horas diferentes, em dias diferentes ou curiosamente… no mesmo dia, isso mesmo… tudo na mesma sala. Tem que se pedir calendário, verificar que não há, fixar então a agenda, depois marcar o dia, o filme, a cadeira e até, encomendar as pipocas. Tudo para a mesma sala. Torceram o nariz, quando leram “pipocas”? Pois meus queridos leitores, aqui a anaquinteiro vai-vos ensinar um truque: Para suportar as pipocas do vizinho do lado, numa sala de cinema, nada melhor que… exactamente, comer pipocas também. Com o ruído das nossas, não nos incomodamos com o ruído das deles.

Bom… fixei mal a agenda. Essa é que foi. Até o horário. O filme que estava em cartaz, não interessava nada aos meus filhos. Depois de ouvir três valentes raspanetes, durante uma boa meia hora, lá acalmamos todos e decidimos que não nos apetecia voltar para casa.

Começou aqui a aventura. Resolvemos ir à procura de outras salas de cinema. Pois, em sítios que eu não conhecia, ou melhor, para onde não estou habituada a conduzir. Lá conseguimos chegar a mais duas salas. A uma chegámos cedo demais. O edifício está em obras. À outra chegámos tarde demais. O filme estava quase a acabar. Bom, mas o que eu confirmei, é que com um volante nas mãos, a fazer-me orientar por locais que não conheço… sou uma verdadeira desgraça. Não que tivesse muitas dúvidas, mas enfim… tinha esperanças de ter melhorado um bocadinho o meu sentido de orientação… com a idade, digo eu. Qual quê!... meu rico filho!... se não fosse ele, com os seus 9 anitos, tenho impressão que não tinha dado com o caminho para casa.

Mas não, não cheguei a casa com a auto-estima de rastos. Bem pelo contrário. Cheguei eufórica e feliz. É que me convenci, juro que me convenci, que as rotundas foram feitas, especialmente a pensar em mim. Alguém as inventou para mim. Só para mim. E foi sem dúvida, a melhor prenda que já recebi. O jeito que me dão. Há sempre uma à mão, para voltar para trás, porque me enganei no caminho. Era ali que devias ter virado. Dizia-me o meu filho. E aí vai mais uma voltinha, na próxima rotunda. O que nos regalámos. Tantas voltinhas dei eu hoje, ao volante do meu Nissan Sunny, com os meus filhos no banco de trás a gozarem-me. Houve até duas que bisei. Pois… à segunda passagem, voltei a distrair-me. Também dão jeito as esculturas, estátuas, ou qualquer outra coisa, que eles resolvem colocar no centro das rotundas. Ajuda o meu filho a memorizar os caminhos.

terça-feira, julho 20, 2004

Um post agressivo

Conversa entre amigas III

Border line, dizes tu? A mim parecem-me mais carniceiros a tentar montar e desmontar peças de carne. Começo a ter dificuldade em entender que até os carniceiros são gente.
Dizer tudo como os malucos: um dia destes faço a folha a um.

Gostava de te poder ajudar, amiga. Mas, porra!... Nem rezar por ti, posso.
Se te serve de consolo, garanto-te que não me tens saído do pensamento.
É pouco, eu sei. Desculpa.

segunda-feira, julho 19, 2004

Códigos musicais


É curiosa a influencia que a musica tem sobre nós.
Como ela pode alterar o nosso estado de espírito ou fazer-nos correr o pensamento.
Ouvimos esta ou aquela música, este ou aquele grupo ou cantor ou cantora e lembramo-nos. De lugares, de situações, pessoas, até sentimentos. Acções, também. Estava a fazer isto ou aquilo, quando ouvi esta ou aquela música.
Mais raramente, pode acontecer também, ouvirmos esta ou aquela música e lembrarmo-nos de coisas que não chegaram a acontecer. Parece um contra-senso, mas não é. Podem não ter acontecido, mas sonhámos tanto com elas, que o próprio sonho se tornou lembrança.
Eu cá, referencio-me muito com a música. E também tenho o meu código musical, pois claro.

Back in Black (AC DC) – Perto do delírio. Muito pé batido em chão de discoteca.
Sultans of Swing (Dire Straits) – Cascais. 1985
Be Tender With Me Baby (Tina Turner) – Reincidência.
Eat The Rich (Aerosmith) – Largo tudo para ouvir o começo. Elixir da boa disposição.
O Homem do leme (Xutos & Pontapés) – Despertar. Possível recuperação.
Wild Horses (Rolling Stones) – Doce.
Purple Rain (Prince) – Era o meu regresso.
Wonderful Tonight (Eric Clapton) – Ui!... abandono. Nos braços de um homem que saiba dançar. Nunca a dancei. Ando com esta atravessada.

domingo, julho 18, 2004

Hoje estou zangada


 
E quando estou zangada, não tenho mesmo, gracinha nenhuma.
 
Aos 40 anos, já temos obrigação de ter o nosso carácter bem consolidado. E, se há algumas características inerentes a esta idade, que ainda não me chegaram (começo por isso, a perder as esperanças que alguma vez cheguem) outras há, que já cá estão, de pedra e cal, implantadas. Estas, precoces, inalteráveis. Portanto, credíveis. Duvido mesmo, que alguma vez me abandonem.
 
Todas elas se fazem cercar pela intolerância. Ou seja, há poucas coisas que não tolero. Mas as que há, é mesmo, tolerância zero. Uma das coisas que não tolero, são as intromissões. Vindas de quem vierem. E o meu sentido de intromissão é um bocadinho vasto. Logo, de difícil interpretação. Pois… dificulta as coisas, eu sei. Dá-me trabalho, no que toca a fazer-me compreender, quando me disponho a isso, quando o intrometido me merece respeito. Se as intromissões se revelam persistentes, temos então, o caldo entornado.
 
Outra coisa que não tolero é que contornem a minha autoridade. A pouca que faço questão de ter. Eu, que nem num empregado consigo mandar, quanto muito, faço uma ou outra sugestão. Uma coisa, é mandar pouco porque se quer, outra é mandar pouco porque não nos querem deixar mandar mais. Gosto pouco de medir forças. E não preciso de grandes conversas para perceber qual é o mandato de cada um de nós. O meu, defendo-o com unhas e dentes.
 
As duas coisas juntas… enfurecem-me, realmente. E podem-se mesmo identificar. Desrespeito. Sem perdão. E, se neste quadro, aparecem os meus filhos, então sim… temos conflito. É que nos meus filhos, quem manda sou eu (e o pai deles). E em mim, quem manda, são eles. Dois mandatos distintos. Sem direito a intromissão.
 
Hoje vai haver confusão, sim. Estava eu a pensar que ia ter um Domingo tranquilo.

terça-feira, julho 13, 2004

Mais eu que isto... é impossível

O meu nome é Ana Quinteiro.
Tenho 40 anos, quase, quase 41.
Sou mãe de 3 filhos, ainda pequenos.
Moro numa aldeia do Ribatejo.
Sou mais ou menos, casada.
Sou mais ou menos, bonita.
Tenho pouco mais que a escolaridade obrigatória.
Não tenho profissão definida.
Gosto de escrever, de desenhar e de ser mãe.
Gostava de ser um bocadinho mais conformada.

Mais eu que isto, neste contexto, é impossível.
Para alguns de vocês, não é novidade.
Para os restantes, admito que possa não interessar nada.
Fi-lo, por mim. Isto… de me identificar, dentro dos limites do possível.
É que me foi induzida uma questão que me deixou a pensar. Diria mais, que me chegou mesmo, a assustar. E esta, foi a forma que encontrei, de me fazer seguir por bom caminho. Isto é, por um caminho verdadeiro e transparente, vedado pelo meu próprio conceito disso mesmo e orientado exactamente, em jeito de percurso.

Ok. Eu explico.
A começar pelo princípio… a questão que me foi induzida (por uma pessoa que prezo muito) diz respeito a este universo virtual, onde parece que podemos ser o que queremos, ou melhor, aparecer como queremos. Escolher uma imagem. Criar uma personagem. Enfim, fazer um boneco e vesti-lo. Entrar e dizer: Olá! Sou eu. Se o boneco corresponde à verdade, pouco interessa. Ou melhor, cá para mim, o boneco deve corresponder sempre à verdade. À verdade do desejo. Daquilo que queríamos que fosse. Nalguns casos, será esta verdade, mais verdadeira que a própria verdade. Isto é, casos há, com certeza, em que se poderia verificar mais inocência (é mesmo esta, a palavra) na vontade de querer, do que no casulo de deixamos e ajudamos a tecer, à volta da nossa vivência, de nós próprios, daquilo que faz de nós o que somos, aos olhos de quem nos conhece de uma forma identificável. Nem sempre será assim, mas mesmo quando é, não há no meu ponto de vista, perca de legitimidade. Porque há casulos que demoram muitos anos a construir. E se os construímos, alguma razão haverá. Faz portanto sentido, que os defendamos.

No entanto, correndo o risco de cair na armadilha, de que “isso só acontece aos outros, a mim, não”, julgo que não será bem essa, a minha situação. Primeiro porque não tenho grande casulo para defender e depois porque sou péssima a fazer batota. Isto é, há regras (normalmente, as que tenho necessidade de criar) que dificilmente quebro, num modo consciente. Não é uma virtude, não… acho até, que só saio a perder com isto. Mas poderia quebrá-las de uma forma inconsciente, e é isso que não quero que aconteça.

Chamada à atenção, para esta questão da blogoesfera, da virtualidade, e do labirinto que as mesmas podem encerrar, assunto em que já tinha pensado, sim, mas por outras razões, tenho-me interrogado nestes últimos dias, porque me vejo eu, aqui presente. Sim, porque tenho eu um blog e para que o quero.

A primeira resposta que me ocorreu imediatamente (o que nem sempre acontece) foi exactamente, contrariar a ideia do boneco, por isso é que surgiu, rápida. Ou seja, não é seguramente, para vestir um boneco diferente do que visto aqui deste lado, onde é suposto, ter segura a minha âncora. Deste lado real, seja lá a definição de real, a que for. Uma das coisas que sempre me irritou ligeiramente, neste universo virtual, é a porra dos nick names. Eu sei que o nome não é tudo, ou não é nada. Não é o nome, uma forma de identificação total. Mas caramba, identifica-nos alguma coisa… é um bocado, aparecer de cara destapada. E eu aprecio isso. Além disso, gosto do meu nome, a sério que gosto.

Bom… mas para que quero eu o blog, volto à questão… Sinceramente, acho que foi a oportunidade. A única, que me surgiu nos últimos anos, de escrever para ser lida, de deixar de escrever para a gaveta. Eu sei, é humilhante admitir isto. Mas é assim. É mesmo isto. Gosto de escrever, sempre me lembro de gostar. Escrever é comunicar. Para haver comunicação tem que haver emissor e receptor (a mensagem, também convém que haja). Deixou de fazer sentido, escrever para ninguém. Não sou boa, o suficiente, para publicar. Não sou boa, o suficiente, para ganhar dinheiro a escrever. Não me conformava com as gavetas cheias. E confesso, que as gavetas me davam jeito para outras coisas. Por isso, a ideia do blog, agradou-me. O manifesto das reacções é gratificante. Significa que nos leram, que o objectivo, foi sem margem de dúvida, atingido. Se o manifesto é positivo, melhor ainda.

Este “significa que nos leram”, pode representar uma certa forma de solidão, sim. Não necessariamente, uma solidão de não ter ninguém. Muitas vezes, uma solidão de ideia ou sentimento, sem partilha, que não fluiu verbalmente, porque não fomos capazes ou porque desistimos de nos esforçar em vão. O período de reflexão que a escrita proporciona ajuda a definir coerentemente o meu discurso. A oportunidade de correcção dá-lhe confiança, no sentido da clareza. Temo cada vez mais, os mal-entendidos e os tentáculos que deles se levantam. Normalmente trazem um rótulo pegajoso, na ponta. Quase sempre fatal.

Dar destino às palavras que escrevo. Quererei eu, alguma coisa, mais que isto? Penso que não. Francamente, penso que não. Mas sei, digo eu, que por vezes, damos connosco a percorrer caminhos que não nos lembramos de ter escolhido. Por isso vou tentar ter sempre presente, o objectivo do meu blog e destas relações que se vão mantendo virtualmente. A hipótese de passar uma imagem, que não corresponde à minha, para o lado de lá das relações, não me agrada. Daí a identificação. Eu sei que o que deixei é pouco. Que demoramos anos a conhecer-nos a nós próprios e aos outros. Mas há sempre pilares, por baixo de tudo o que se constrói. Que os pilares sejam pelo menos, verdadeiros. Já que a construção se vai fazendo, quer queiramos, quer não.

quarta-feira, julho 07, 2004

Sinais de alerta

Existem, é um facto.
Vindos de toda a parte, sob as mais diversas formas.
São os conselhos que recebemos de quem nos quer bem.
Os episódios que a história nos descreve, ano após ano.
Nas estradas que percorremos... pois, os sinais de trânsito.
O conteúdo do nosso conceito de bom-senso, que pode variar, sim.
Sinais de aviso da nossa própria memória. Os mais sérios de todos.
Existem de facto. Muitas vezes, apenas para ser ignorados.
Mas estão presentes. Chamam-nos a atenção.
Fazem o seu papel. Acautelam-nos.
Porque os ignoramos, então?
Porque nos tornamos tão reincidentes?
Uns mais, outros menos... mas todos reincidentes. Enfim, quase todos.
Não faz sentido.
Parece que não conseguimos aprender á primeira.
O único aspecto positivo que consigo retirar desta questão (assim, à primeira) é que para termos mais do que uma oportunidade para aprender, temos que estar vivos.
Viver então, para aprender.
É uma boa razão para se viver.
Ok. Deve ser isso.
Eu até gosto de aprender.

sexta-feira, julho 02, 2004

A primeira osga da minha vida

Acendi a luz da cozinha. Recortada na parede branca, à minha frente, por cima da porta, estava ela. Grande. Cinzenta. Imóvel. A primeira osga da minha vida.

Estava sozinha em casa, com os meus 3 filhos pequenos. Tinha acabado de os deitar e sabia que ainda estavam acordados. Era a primeira osga da minha vida, porque eu era a única pessoa adulta, frente a ela. Era eu que tinha que fazer alguma coisa. Não havia mais ninguém.

Sim. Já tinha visto mais osgas antes desta. Em locais, onde não me incomodava, que estivessem. Já tinha até coabitado, por alguns minutos, com elas. Tenho memória dessa experiência, uma ou duas vezes. Mas havia sempre outra pessoa adulta presente, que resolvesse o problema, isto é, que fizesse a osga desaparecer.

Por isso, esta foi a primeira osga da minha vida. Porque era só minha. Porque estava à minha mercê (ou eu à mercê dela).

Fiquei paralisada, a olhar para ela. Parecia que estávamos as duas a fazer um jogo. Qual de nós aguentava mais tempo, sem se mexer. Era o que parecia. A minha capacidade de raciocinar, também bloqueou. Depois desatou a funcionar, desenfreadamente. Telefono a alguém. Foi o primeiro pensamento. Não. Finjo que não vi a osga e vou-me deitar. Foi o segundo pensamento. Os outros pensamentos que se seguiram, serviram para me convencer de que não podia fingir que não tinha visto a osga. Que não ia conseguir adormecer. O último pensamento, ainda neste fio, foi imaginar a osga, na parede do quarto de um dos meus filhos. Assim, mesmo frente à cama, exactamente no momento em que acordassem, no dia seguinte.

Foi então que me decidi. Tinha mesmo que fazer alguma coisa. Percebo agora, que foi o instinto, que me levou ao armário para ir buscar uma vassoura. Foi sempre o que vi fazer, nas experiências anteriores. Uma osga, combate-se com uma vassoura. Deve ser. Por isso lá fui buscar a vassoura. Ok. Tinha a vassoura na mão. E agora? Faço o quê com a vassoura? Pensei abrir a porta, a ver se ela se ia embora, mas estava virada em sentido contrário. Serão inteligentes, as osgas? Lembro-me de me ter interrogado. Dava jeito que fossem. Abria a porta e convidava-a a sair. E educadas, serão? Aceitaria ela o meu convite para sair? Resolvi experimentar.

Abri a porta e afastei as fitas de protecção contra a entrada de seres vivos indesejáveis. Perfeitamente incompetentes, nesta situação (partindo do principio que a osga entrou pela porta). Aproximei a vassoura da osga, do lado oposto à porta, para ver se ela dava meia volta, em direcção à saída. Pois, meus queridos leitores, em verdade vos digo, que as osgas não são inteligentes nem educadas. O raio da osga, resolveu descer a parede e afastou-se mesmo, da porta. Parou a meio da parede, com a cabeçorra virada para baixo. Eu parei também, a olhar para ela. Comecei a ficar irritada. Fechei a porta e decidi que tinha que agir de outra forma. Matar a osga.

Que me desculpem os amigos de todos os animais, mas não consigo mesmo, gostar de osgas. Principalmente se forem burras e mal-educadas. E aquela, era. Tinha acabado de me dar provas, disso mesmo. Dei balanço à vassoura e bati com ela na parede. Percebi que além de ter medo de osgas, também não tenho muita pontaria. Mas não me deixei ir abaixo, porque imediatamente após a primeira pancada, dei logo mais não sei quantas. A minha pontaria é mesmo má. Só consegui separar a cauda da osga. Lá ficou a osga sem cauda, mas viva. Pior ainda. Fugiu para baixo da máquina de lavar loiça.

Confesso que me passou novamente, pela cabeça, a ideia de fingir que não tinha visto osga nenhuma. Se a adivinhasse quietinha debaixo da máquina, até ao dia seguinte, ainda me tentava pela ideia de me ir deitar, mas pensei que se as osgas têm pernas, por algum motivo deve ser e o motivo que me pareceu mais lógico, foi exactamente o de terem pernas para andar. Terem pernas para andar até à parede da frente da cama de um dos meus filhos. Não.

Acendi um cigarro e fumei-o rapidamente sem tirar os olhos do chão, da frente da máquina. A vassoura estava ao meu lado. Primeiro pensei que tinha que afastar a máquina, mas depois, tive uma ideia de génio (acho que foi por causa do cigarro). Lembrei-me do insecticida. Ok. Sei que só mata insectos. Que os répteis lhes devem ser imunes. Mas quem sabe, a osga não suportaria o cheiro do insecticida, e pelas suas próprias pernas, sairia debaixo da máquina (de preferência, para a frente). Era isso mesmo. Decidi despejar o spray todo para baixo da máquina de lavar. Tinha que ser por trás, para ela fugir para a frente e eu poder alcançá-la com mais facilidade. Impede-me o meu sentido do ridículo, de descrever aqui a forma como vazei um spray insecticida atrás e por baixo de uma máquina de lavar. Por isso vou passar à frente. Vazei o spray, é verdade. Até me senti mal disposta. O raio da osga não saiu.

Estava a começar a desesperar. Frustrada, encostei-me aos armários, do outro lado da cozinha. Tirei mesmo os olhos da máquina de lavar. Quando voltei a levantar o olhar, vi-a. Sim a máquina (era suposto continuar no mesmo sítio). Mas, à frente da máquina, no chão da cozinha, estava a osga. A mesma de há meia hora atrás. Reconheci-a, pela falta da cauda.

Ok. Decidida, peguei na vassoura. Tinha que agir rápido, antes que me fugisse outra vez. Mas vacilei na vassoura. Da primeira vez, tinha-me deixado ficar mal. Fui ao armário a correr, escolher outra vassoura. Tinha que ser mais rija. Mais eficaz. Voltei. A osga ainda lá estava (era mesmo burrinha). Ataquei a osga. Acho que durante o ataque, grunhi. Sim, porque aqueles gritos de sufoquei mal, na minha garganta, parecem-me agora, autênticos grunhidos. E acho mesmo, que foram os grunhidos, talvez mais ainda que a vassoura, que deram cabo da osga. Paz à sua alma.

Hoje, ao final de 40 anos, sinto-me finalmente, adulta. É isso que sinto. Talvez, me devesse ter aparecido uma osga pela frente, há mais tempo. Mas, sabe-se lá porquê, foi só agora. Nunca é tarde para crescer. Nunca é tarde para aprender. Eu aprendi, que por trás de uma mulher adulta, há sempre uma osga grande (ou melhor, havia). Prestou-me um grande serviço. Deus a abençoe, por isso.