quarta-feira, setembro 29, 2004

Em busca da cor


(não são os meus que não escondem nada, são os teus… que vêm tudo)

Conheço esse ar lívido, de quem morre de amor. Embrulhado num vazio imenso, em local sombrio e frio. Fundo. Silencioso. A cor, não existe de facto… porque se perdeu o rasto ao Sol.

São vidas sem sentido, anos sem fim, à espera da segunda morte. De pessoas que não nos ouvem. Que se expressam entre lágrimas teimosas, alternando com uma mudez que as consiga conter. Vivem rodeadas de memórias. Só elas lhes fazem correr o sangue. Enviuvaram. Morreram de amor.

Dói-me. Por vezes, tenho que virar o rosto. Não quero ver. Atiro o meu corpo sobre um qualquer leito, para recuperar forças. Mas mesmo assim, sinto-as… as lágrimas dos outros. Que me pingam sobre o rosto… pesadas, dolorosas. Por isso, não resisto e cedo tantas vezes.

Em busca da cor. Eu procuro sempre o Sol. E gosto de pensar que fiz um pacto secreto com ele. Vendi-lhe a alma, a troco de cor. Não quero que ninguém me volte a ver, com esse ar lívido, de quem morre de amor.

sábado, setembro 25, 2004

Hoje tenho que publicar

A expectativa era grande?
Não. Acho que não.
Expectativa? Não.
Não perguntei em que carro vinham.
De que cor eram as roupas.
Não me lembrei. Não precisei.
Quando as vi… sim, eram elas.
Surpresas? Ok. Uma é loira, eheh.

Ânsia de estar… Sim. Isso, sim.
De abraçar. De tocar. Ver olhos.
Gargalhar. Gargalhar. Ui!... tanto.
De resto…
Brincámos. Falámos atropeladamente… Mais, menos.
Ficou muito por dizer, não foi?
Rimos.
Comemos pouco. Fumámos muito.
E não demos pelo tempo passar.

Faltou uma.
Ou talvez, não tenha sequer faltado.
(Beijo grande, linda)

A expectativa não era grande, não.
Afinal… há quanto tempo nos conhecemos nós?
Há um carradão de anos. Não é?

Adorei. Quero mais.

PS – Ok. Isto hoje tem direito a comentários. Só hoje.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Três formas de ser


Regra geral, existem 3 formas diferentes de ser, em cada um de nós.

- Aquela que somos na realidade
- A que nos deixam ser
- E a que resulta do confronto entre as duas primeiras

A forma de ser mais visível, é sempre a última. E, a existir, é também a que nos agrada menos. Eu digo “a existir”, porque acredito, que pessoas haverá, livres deste confronto, entre aquilo que somos e o que podemos ser. Pessoas suficientemente fortes e individualistas, cujo carácter não é abalado por quase nada. Ou pelo contrário, pessoas sensatas que se conseguem adaptar com a maior facilidade ao meio em que vivem, fazendo dele o principal modelador da sua forma de ser.

Este é um assunto, em que tenho pensado nos últimos dias. E apetece-me desmontá-lo. Tentar perceber quais são as peças que o compõem. Voltar a montá-lo. Como se quisesse perceber o funcionamento de uma qualquer máquina… o mais racionalmente possível. Sim, faço-o com mais facilidade, pensando com palavras escritas, até mesmo para que o registo não me faça correr o risco de me esquecer do resultado desta reflexão, seja ele, conciso ou não. E sim, continuo desesperadamente, a tentar racionalizar o meu funcionamento. A emocionalidade, não me tem trazido quase nada de bom, ao longo da vida.

O confronto entre aquilo que somos e o que podemos ser. Porque nem sempre aquilo que somos é o mais conveniente. Principalmente, para as pessoas de quem gostamos, e sobretudo, para as que de uma forma ou de outra, são dependentes de nós. Se não lhes queremos fazer mal desta ou daquela maneira, saímos daquilo que somos, e entramos no que podemos ser. E como esse processo é violentíssimo fundamentalmente, para os menos sensatos e conformados, muitos ajustes há a fazer. Enquanto esses ajustes são feitos, nós vivemos a terceira categoria de ser: exactamente a do resultado do confronto.

É evidente, que aqui, se pode questionar muita coisa. Quem são os outros, de que forma são dependentes de nós, durante quanto tempo nos devemos (ou não) comprometer com essa dependência e até mesmo, qual é o limite máximo aceitável de adultério à nossa verdadeira forma de ser. Isso já depende de cada indivíduo e dos seus próprios valores.

A questão está nos malefícios deste estado de ser. Que não é carne nem é peixe. Não é branco nem é preto (a velha questão das cores). E acima de tudo, se for vivida durante bastante tempo, deixa mazelas vitalícias. Cicatrizes indisfarçáveis. Por vezes, fazem prova de que já nem sabemos aquilo que realmente somos (ou éramos).

Gostaria que fosse fácil defendermos a nossa essência, nunca nos esquecermos dela, por muito que fosse o tempo durante o qual, a mesma fosse violada. Ter sempre esperança que um dia, poderemos voltar a tê-la livre, fluente, imaculada. Voltar ao nosso “eu” inicial. Mas o tempo vai passando e a força vai-nos faltando. A resistência vai sendo cada vez menor.

Contra natura, é só a expressão que me ocorre. Daria tudo, por um comprimidinho miraculoso que me fizesse mais conformada, mais sensata. Mas também servia um, que me desse força para manter a identidade.

Esta reflexão foi inconclusiva.






quinta-feira, setembro 16, 2004

Quando todos parecem saber o que é melhor para nós...


… e melhor que nós. Significa o quê, isto?
Significa pelo menos, que não estamos bem. E resolvemos, que temos que estar. Para isso, tentamos mudar alguma coisa. Necessariamente, aquilo que julgamos ser motivador do nosso mal-estar. Lançamos mão à obra e começamos…

Apoios. E se não os há? De quem devia haver?… digo eu. Deveríamos nós ter avaliado essa eventualidade antes? Se chegássemos à conclusão que eventualmente, não iríamos ser apoiados, provavelmente não mudaríamos nada. E continuávamos a estar mal. Se estávamos assim tão mal, não nos importaríamos de não ter apoios. E avançávamos sozinhos. Uma insensatez em circunstâncias pontuais, atrevo-me a acrescentar.

Mais traiçoeira é a eventualidade de termos verificado se havia apoios ou não, antes de avançarmos para a mudança. Havia. Avançámos. E depois, já iniciado o percurso, constatamos que afinal os nossos apoios, se limitam a observar. A observar-nos a dar com a cabeça nas paredes.

Ora, porra! Afinal porque estamos nós a dar com a cabeça nas paredes? E porque se limitam os nossos supostos apoios, a observar-nos?

Simplesmente, porque ninguém melhor que nós, sabe porque estávamos mal, porque queremos estar bem e o que temos que fazer para isso acontecer. E, mesmo que nos possamos desorientar no começo do percurso, ninguém melhor que nós, encontra o caminho certo.

Agora… explicar isto aos nossos supostos apoios… Eles, que nos observam a dar com a cabeça nas paredes, e nos vão dando palmadinhas nas costas em jeito de consolo, com o ar mais paternalista deste mundo, sempre adiantando que “eu bem te dizia que o melhor para ti, não era isso”… porra!... é, desesperante.

O melhor mesmo, é desistirmos de fazer entender o que quer que seja e concentrarmo-nos nos nossos propósitos e… se tivermos estômago para isso, ainda acrescentar que “sim, senhor… tens toda a razão”. Caso contrário, ainda se ofendem connosco e desfaz-se a união, que cautelosamente, afiançámos. Apenas porque resolvemos procurar o que realmente, é melhor para nós (e nos atrevemos a contar com aliados).

A união faz a força, questionas tu. Sem dúvida. Se nunca nos esquecermos porque raio nos unimos nós. Qual foi afinal, o motor de arranque. Porque na verdade, mesmo quando as causas são sociais, é difícil combinar esforços e obter bons resultados. Ora, como não há transferabilidade (ou não devia haver) entre causas individuais e causas comuns, a conclusão só pode ser uma.

Uma causa individual, é isso mesmo. Pertence a um individuo. E o mesmo, tem que consciencializar, que apesar de todos os apoios que possa ter (efectivos, ou não), é ele o protagonista da história. Mesmo que as pessoas a quem se una, não percebam isso.

Brilhante conclusão, hã?!... Que título dei eu a este post? Talvez o título mais adequado fosse: Individualidade ou O verdadeiro sentido de solidão.

quarta-feira, setembro 15, 2004

E eu a vê-los passar


Pela direita. Vuuurrrmmm!
Pela esquerda. Vuuurrrmmm!

Pois. Eu hoje fui para Santarém. Ihihihihihih!... O pessoal que me conhece já se está a rir. O que é que para aí vem, pensarão.

É verdade. Levantei-me meia hora mais cedo do que era preciso, para conseguir acordar mesmo, ou seja, para me meter à estrada de olhinhos já bem abertos. E lá fui eu. Demorei quase 2 horas para lá chegar. Qualquer pessoa (mesmo qualquer pessoa) faz a viagem em menos de uma hora. Mas eu perdi-me, pois claro. Umas quinhentas vezes, sim senhor. Para lá, ia tão absorvida com as minhas “perdições”, que não reparei em nada. Nem no caminho, pois claro. Senão não me perdia. Mas para cá, já vinha mais calma e então, deu para curtir a viagem. Foi do melhor.

Via rápida. Entrem todos. Vuuurrrmmm!... pela direita. Até afrouxo para os deixar entrar. Hoje, por acaso, não levei com nenhuma buzinadela do de trás. Os gajos às vezes, irritam-se comigo. Mas, porra!... tenho sempre medo que eles entrem à má fila. E não vá o diabo tecê-las… deixo-os sempre entrar. Chiça!... parece que vão todos para o mesmo sítio que eu. Vuuurrrmmm!... aí vai mais um. Alguns até me agradecem.

Quando não são os da direita, são os da esquerda. Na verdade, esses são os mais frequentes. Na verdade… até são todos. Não. Todos, não. Todos, menos os tractores. Com os tractores posso eu bem. Às vezes demoro, mas lá me vou desenrascando. Hoje, por acaso, vi-me doida com um. Com reboque. Fui uma data de tempo atrás dele. Mas como tinha traço contínuo, os que vinham atrás de mim, não me chatearam. Mas o traço contínuo acabou e eu… nunca mais me despachava. Comecei a ficar nervosa. Quando me decidi, já vinha um detrás, mais despachadinho que eu. E depois outro. E depois ainda vinha mais um, mas eu aí pensei: Porra!... espera lá, que agora sou eu, que ainda acaba a recta e eu sufoco aqui com o pivo do tomate. É que o reboque vinha carregadinho deles e pessoal… o cheirinho do tomate com o sol a dar em cheio… só vos digo… é qualquer coisa…

Bom, mas lá deixei o tractor para trás e segui viagem. E, vuuurrrmmm!... aí vem mais um, pela esquerda. Um jepp azul. E, vuuurrrmmm!... um carro vermelho. E depois um branco. E a seguir, um camião. Foje!... um camião?! Pois, um camião pequeno, ou uma camioneta grande, que é tudo a mesma coisa. Livra!... que vergonha, meu Deus. Enquanto são pequenos, ainda vá… mas um, daquele tamanho? Tenho que acelerar isto um bocadinho mais, pensei eu. E aquilo correu bem.

Bom, correu bem, até à ponte. Quando entrei na ponte, toda lançada, digo-vos eu, vem de lá uma bisarma de todo o tamanho. Quando vejo aquilo a aproximar-se, fui-me afundando no banco. Um camião cisterna. A abrir, o parvalhão. É que a ponte é estreita. Ia em 5ª. Comecei logo a travar e reduzi para 2ª. Quase parei, quando me cruzei com ele. O gajo ofendeu-se. A sério. Diz-me ele, lá de cima: Não cabes?!... ò caraças?!... Para dizer uma coisa daquelas, é mesmo, porque levou a mal. Não sei muito bem, se por ter quase parado, ou se por me ter visto a afundar no banco… mas lá que se ofendeu, ofendeu. Parvalhão. Ainda me atrevi a pensar, enquanto voltava à minha posição normal. Olhei pelo retrovisor, não vinha ninguém atrás. Porreiro, pensei. Não fosse o de trás ofender-se também…

Bom, mas eu cá, nunca me deixo abalar com estas coisas. Quando paro o carro debaixo do meu telheiro, venho sempre bem disposta. Porra!... cheguei sã e salva. É sempre o que penso. Passados dois minutos, já não me lembro de nada.

sábado, setembro 11, 2004

Falta muito para amanhecer?

Tirei os comentários.
Tirei o contador.
Tirei o MSN.
Fechei esta janela virtual.
Abri uma janela real.

Porra!... tá tudo escuro. Não se vê nada.
Falta muito para amanhecer?
Hã?!... Uhmmmm?!...
Então? Ninguém diz nada?

Foge!... já tou cheia de saudades vossas.
Isto vai de mal a pior.

O que vale é que até tou bem disposta.
Beijinhos pessoal.

Para que não hajam dúvidas...

(continuação dos post anterior)

... e porque este post é dirigido aos meus leitores habituais, vou esmiuçar os motivos que me levaram a tomar uma decisão. Quando escrevemos, por escrever, ou seja, quando não nos preocupamos com a real interpretação às nossas palavras, podemos com facilidade, dizer tudo como os malucos.

Não é o caso deste post. Aqui, quero tudo “preto no branco”. Quero ser devidamente, entendida. Vamos lá ver se consigo.

Todos nós, que por aqui andamos com as palavras nas pontas dos dedos, devemos saber o que é a blogomania, cada um com a sua definição, obviamente. Se me permitem, volto a citar palavras de Milan Kundera, sobre a natureza da actividade do escritor. "Cada individuo se rodeia das suas próprias palavras, como de uma parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora". A natureza do escritor é de facto esta, na minha opinião.

O isolamento que nos causa. Esperam lá… vou escrever na primeira pessoa. Porque é de mim, que quero falar. Eu concordo com a definição de Kundera. E, se esta parede de espelhos, habitualmente me provoca uma sensação de bem estar imensa (que procuro frequentemente) muitos são também, os momentos em que me apercebo do isolamento a que me sujeito. Daí ter tentado atenuar o isolamento com a possibilidade da recolha de reacções àquilo que escrevo. Criou-se assim, uma comunicação mais próxima daquela que temos com a troca de palavras ditas. É confortante, sim. Quando, nos sentimos sozinhos com as nossas ideias. Perceber que outras pessoas partilham conceitos, sentimentos, opiniões, eu sei lá… como eu, faz-me sentir menos sozinha (e aqui, “sozinha”, não tem nada a ver com o aspecto físico da questão).

Mas, como em tudo, há sempre o reverso da medalha. E esta, doeu-me. A sério. Porque esta troca de palavras escritas, passou a barreira da formalidade, da racionalidade. Afeiçoei-me às palavras que daí vieram. E percebi que queria mais. Que queria as pessoas que as escrevem. Aqui deste lado. Com palavras ditas. Com mantas e cinzeiros partilhados. Com forma de as procurar e de ser procurada. Pele com pele. Enfim… amigos palpáveis. Como aqueles que tenho neste mundo real.

E quando percebo que afinal as palavras que leio pertencem apenas ao meu monitor, sem rosto, que ligo e desligo, conforme me apetece… sabe-me a pouco. Porque se um amigo desaparece sem dar sinal de vida, tenho que o procurar, saber se lhe aconteceu alguma coisa de mal. Ou se uma amiga anda em fase menos feliz, preciso de me disponibilizar, para que me possa procurar, se assim o entender. Ou até, se for eu a andar em baixa forma, preciso da minha agenda telefónica com os números preenchidos à frente dos respectivos nomes. É disto que preciso.

Mas, como também preciso de escrever, decidi reduzir isto à sua essência. Escrevo apenas. Sem comentários. Sem contador. Sem a mínima hipótese de me envolver emocionalmente com os meus leitores (os que não conheço pessoalmente). Reduzo portanto, esta forma de comunicar, à parede de espelhos que não deixa filtrar nenhuma voz de fora.

É assim que vou tentar viver isto. Mas se algum dia… alguém tiver a brilhante ideia de organizar um almoço, um jantar, um fim-de-semana, qualquer merda desse género, do tipo…

1º ENCONTRO DE BLOGUISTAS
(vamos todos conhecer-nos pessoalmente)

Contem comigo. Estou lá.

Por enquanto vou-vos lendo. Todos os dias. A todos os que constam na minha lista de links (que só agora senti necessidade de criar).

sexta-feira, setembro 10, 2004

Dos grafemas aos fonemas


(registo para a posteridade… isto vai evoluir)

Tenho verificado conscientemente (umas vezes mais, outras, menos) a evolução do meu “agarramento” ao pc. À net. Aos blogs (ao meu e aos vossos, acreditem que não faço distinção). Tempos houve, que por razões profissionais, o meu pc estava ligado uma série de horas, durante o dia. As consultas na net, as visitas aos correios, eram frequentes. Necessárias. Sempre por razões profissionais. Hoje não é assim. Eu ligo o pc e entro na net, por razões quase sempre, pessoais. Para visitar os blogs (ver se há novidades). Para ver o correio. Uma série de vezes, durante o dia. Uma série de vezes, durante a noite (que o sono às vezes não me encontra). Muitas vezes, tomo o pequeno almoço à frente do pc, de janela aberta para esse lado. Outras tantas, entro em casa, depois de uma saída prolongada, e a primeira coisa que faço, é ligar o pc, na mesma janela. Quantas vezes, vou fazendo o jantar e bisbilhotando, simultaneamente. Pior… vezes demais, digo aos meus filhos que “hoje não há história para ninguém”, quando ma pedem no momento de ir para a cama.

Esta constatação fez-me regressar à razão pela qual, me iniciei na blogosfera. Sempre escrevi compulsivamente. A maior parte das vezes, para ninguém ler. Para a gaveta. Uns quantos textos para oferecer aos amigos. Outros tantos, para enviar a publicações da nossa praça. Enfim… a bem dizer, escrevi sempre para vazar a alma e dar espaço para que voltasse a encher. Um ciclo vicioso sim, mas que me dá imenso prazer. Do qual, dificilmente me livrarei alguma vez. A determinada altura, foi surgindo a necessidade de escrever para ser lida. Começava-me a parecer demasiado muda, a forma como escrevia. Surgiu a blogosfera. Perfeito. Pensei eu. Agora vou ter quem me leia. Até há comentários e tudo. A recolha de reacções é porreira.

Era perfeito, era. Não fosse eu começar a afeiçoar-me aos meus leitores. Não fosse eu ser “mocinha” pouco racional, muito dada ao raio das emoções. Não fosse esta menina assim, e tudo corria sobre rodas. Não me extravasava ao limite da blogosfera. Mas não. Com alguns de vocês desenvolvi mesmo relacionamentos de amizade, em curtíssimo espaço de tempo Com preocupações e tudo (ando apreensiva com a questão das cores e com a ausência do pássaro divino, a sério que ando). Tenho uma necessidade imensurável de ver olhos, tocar nas mãos, dar abraços, ouvir a voz…eu sei lá.

Verifico assim, que este meio é demasiado virtual para as minhas necessidades. Preciso de ouvir em que tom se diz “es-tú-pi-do” ou “Ah, sim?!”. Ler nos olhos o estado de espírito com que se escreve “Preto no branco” ou “Vulcão” (não, não vou fazer links). Estar à conversa à volta de uma fogueira e partilhar o calor de um cobertor com alguém que tenha comigo, inúmeras similaridades. Encantar-me com a forte personalidade de quem vive sozinha com um filho. Ajudar a acalmar a contestação de uma jovem de valores bem alicerçados. Tomar um copo, estar à conversa… pele com pele. À falta de tudo isto… ouvir pelo menos, a voz. O tom de voz. Em indiscreta gargalhada. Ou em sussurro. Voz vacilante ou nervosa. O alívio por nos encontrarmos. Anda cá, vamos conversar. Eu oiço-te. Tu ouves-me. Dos grafemas aos fonemas, vai uma distância que não suporto. Não sendo possível tê-los (aos fonemas e a todos vocês) prefiro reduzir isto à sua essência. Eu e o meu porto de abrigo. Falta saber como o vou fazer. Quando decidir, digo (ou melhor… escrevo).

domingo, setembro 05, 2004

Recordações de infância


Sentei-me aqui para escrever. Mas não sei sobre o quê (normalmente sei, acreditem). Eu podia falar sobre Beslan, o quanto me faz sentir pequenina. Sobre as minhas arrumações e a dor que me causa deitar fora coisas que tenho mantido, algumas há mais de 30 anos. Sei lá… podia falar sobre átomos e moléculas e se a química nos rege (ou não) todos os sentimentos. Podia falar sobre politica… Não. Por acaso, sobre politica não podia falar. É demasiado racional para mim. Mas não me apetece escrever sobre nenhum destes assuntos. Sinto-me mais à-vontade com coisas pequenas. Quanto mais pequenas… maior eu as consigo fazer. Hummm!... deixem-me pensar!... Ok!... já sei. Vou regressar ao passado. Calma. Não é mais nenhum testemunho sobre situações inacreditáveis, que quase nos obrigam a acreditar no destino. Vou escolher uma coisinha mais leve (também… não preciso de me esforçar muito, a avaliar pelo peso do meu último regresso ao passado). Vou regressar à minha infância. Partilhar convosco algumas memórias que retenho dela.

Nasci e cresci em África. Moçambique. Muita liberdade. Muita brincadeira no quintal e mesmo na rua. Éramos 7 amigos inseparáveis. Umas vezes mais amigos que outras, mas sempre inseparáveis. Aliás, quando nos separávamos, só fazíamos porcaria. Por isso, quanto mais juntinhos, melhor. Por acaso… agora pensando nisso… os miúdos costumam juntar-se para fazer tropelias e nós de facto, éramos ao contrário. Juntávamo-nos para fazer rádios com pedaços de madeira e caricas (claro que não funcionavam). Para fazer cabanas com os ramos que eram podados das árvores. Eu cá, não alinhava muito nesta brincadeira. Aparecia sempre com cada gafanhoto mais grande… Ninguém me conseguia convencer a entrar na cabana, por isso o Manel (por quem eu estava terrivelmente apaixonada) fazia-me sempre um quintal e eu entretinha-me a tratar da horta, com capim e laranjas velhas. A fingir, pois claro… Bom, as laranjas, às vezes marchavam. Eles lá se ocupavam da cabana. Sempre debaixo das instruções do Manel, que era o mais velho. Eu sentia-me sempre uma privilegiada, que a mim o Manel não me dava ordens e quando a cabana estava pronta, levava-me pela mão só para a espreitar. Mais… impedia que os outros me empurrassem lá para dentro… que eu aterrorizava-me com a ideia de entrar na cabana e cair-me um gafanhoto em cima. O Manel era mesmo porreiro. Por isso é que eu estava apaixonada por ele. Porreiro e gordo. Muito gordo. Mesmo muito gordo. E não é que eu não me importava nada? Quer dizer… não me importava nada, não é bem assim. Importava-me muito que ele andasse em tronco nu. Tinha umas mamas maiores que as da minha mãe. Dessa parte nunca gostei. Quando ele aparecia em tronco nu, estragava-me o dia. É que a minha melhor amiga, a São, fartava-se de me gozar. Inferiorizava o meu mais que tudo. Arreliava-me até às lágrimas, a malvada. Bom, mas a mãe do Manel salvava-me sempre. Lá aparecia a meio da manhã ou da tarde com uma t-shirt. Trazia sempre e também, uns biscoitos de azeite. Uma caixa redonda de lata, cheia, que o Manel colocava ao colo. Nem era preciso lavar as mãos. Sentávamo-nos todos à beira do passeio a comer os biscoitos. Eu e o Manel, comíamos sempre mais. O Manel, por razões óbvias… pois, tinha um apetite voraz. E eu, eheh… porque era a sua protegida. Agora pensando no assunto… acho que era a forma que ele encontrava de me agradecer a paixão que lhe tinha. Porra!... não é qualquer miúda que se apaixona por uma bisarma daquelas. Ainda hoje adoro biscoitos de azeite. Fritos, como fazia a mãe dele.

Mas também brincávamos a outras coisas. Lembro-me que uma das minhas brincadeiras preferidas, era o jogo da verdade e da mentira. Cada um contava uma história que os outros tinham que adivinhar se era verdadeira ou falsa. Quem menos conseguisse ludibriar os adversários perdia. O Zeca que era o mais ferrenho e não gostava nada de perder, ás vezes fazia da mentira, verdade e da verdade, mentira. Nessa altura, íamos todos a correr à procura da mãe, para tirar a história a limpo. Se ela não soubesse da história, é porque era mesmo mentira. Aí, o Zeca ficava danado. Por acaso, o Zeca era o que melhor histórias contava. Desde tapetes voadores a aterrar em cima do guarda-fatos, a viagens pendurado num chapéu de chuva, valia tudo. Mas o mais engraçado é que ele queria que nós acreditássemos nestas histórias e dizia mesmo para irmos perguntar à mãe, se era verdade ou não. Hoje é advogado, o Zeca. Mas ia sendo padre. Já cá em Portugal, apaixonou-se por mim. Escrevia-me cartas em código. A sério, inventou um alfabeto próprio. A cada letra do nosso alfabeto, fez corresponder um símbolo. O miúdo tinha mesmo imaginação. A contar histórias e a romancear. Ups!... não é a mesma coisa?... Bom, mas aquilo do “nosso alfabeto” era muito giro. É que tantas foram as cartas que trocámos, que já nem era preciso ir ver a cábula, que ele teve o cuidado de mandar para casa de uma amiga minha (que era para não ser interceptada). Agora não me consigo lembrar de quem tínhamos nós, medo. Se da minha mãe, se do meu irmão mais velho. Bom, isso agora também não interessa. A piada estava mesmo naquele secretismo todo. Trocámos promessas de amor em código, como gente grande. Tudo acabou quando passados uns 2 anos, ele foi a minha casa. Ele, o irmão e os pais. Estavam todos bem. Menos ele. Apareceu com umas calças castanhas de vinco, um palmo acima do tornozelo, apertadas com um cinto em cima do estômago. E o cabelo? Eu não sei se aquilo era gordura ou brilhantina, mas que era piroso, lá isso era. Porra!... que desilusão. Andava eu a trocar promessas de amor com um bimbo naqueles?!... Hoje é advogado, o Zeca. Já tinha dito, não já? Será que ainda usa calças acima do tornozelo? O cinto a apertar o estômago, não deve usar. Sim, que com 42 anos, já deve ter o estômago bem dilatado, por isso o cinto tem que ficar por baixo. Valha-nos isso, chiça!...

Bom!... Está-me a dar o sono. Vou ver se durmo. Beijinhos pessoal.

A menina Elsinha

(Não podia recusar um pedido teu. Guardaste-a este tempo todo?)

Estava a menina Elsinha a tentar convercer a sua irmã mais pequena Vera, a brincar, fosse lá ao que fosse...

- Queres brincar com as bonecas?

A Vera corria eufórica, à volta da irmã.

- Então?... queres brincar na casinha?

A Vera continuava a correr eufórica, à volta da irmã.

- E às escondidas... queres brincar?

A Vera continuava a correr eufórica, à volta da irmã.

- E... queres brincar à apanhada?

A Vera continuava a correr, cada vez mais eufórica, à volta da irmã.

Então, vamos brincar aos pontapés. Tu és a bola.


Escrito a 9 de Setembro de 2002

sábado, setembro 04, 2004

Poderes especiais


Há momentos em que me apetecia ser uma super-mulher. Pois… com poderes especiais e tudo. Bom, na verdade, os poderes especiais, podiam ser só dois:

- Rapidez e eficácia
- Desprovimento de emoções

Conforme fosse necessário, activava os poderes especiais e aí está ela… eficiente e intocável. Um rodopio sobre mim própria e poderes especiais instalados até ser necessário. Depois podia voltar ao normal. Pensando bem, era melhor não voltar.

Ok. Eu explico. Tenho um atelier de trabalho com pouco mais de 30 m2 para vazar. Inactivo em termos de produção, há mais de 1 ano. Mas porra!... não imaginam o que de lá tenho que tirar. Desce um forno de cozer cerâmica, a 5 máquinas de costurar e bordar, até ao primeiro pc que tive (nem disco rígido tem), passando por trapos de todas as qualidades, brinquedos e roupas desactualizados de 3 crianças e todo o tipo de tarecos que para lá foram encafuados desde que iniciei obras em casa (que já acabaram há mais de 3 meses), por lá se encontra de tudo. Pensando bem, devia acrescentar mais um poder especial: Força e resistência.

O pior, é que fiquei sem os miúdos, para conseguir arrumar aquele espaço. Ou melhor… vazar aquele espaço. Até Domingo. É bem feita. Não me tivesse eu queixado ao longo de meses (anos?) que não consigo fazer nada com as minhas crianças agarradas às pernas. Primeira lição. Aprender a estar calada.

O problema, é que não tenho vontade alguma de lá me enfiar. Primeiro porque vou ter que deitar muita coisa fora (por não ter onde a guardar em segurança) e perco muito tempo até decidir o que é aproveitável ou não. Depois, porque me vou perder em memórias cada vez que me passar alguma coisa, pelas mãos. A seguir, porque a própria arrumação significa uma mudança de vida, e caraças… estou assustada. Golpe final: saudades dos meus filhos. Ai, ai!... vai ser bonito.

Por fim, tenho andado a tentar interiorizar que encontramos a força de que precisamos para dar corda às pernas, em nós mesmos. Vendo bem, sempre pensei assim, contudo considerava que não seria só em nós mesmos. Um porto de abrigo era essencial. Fosse ele qual fosse. A acompanhar esta tentativa de interiorização, têm-me batido cá dentro a impressão de que muita coisa muda na minha vida, porque eu abri a boca. Enfim, porque não sou muito sossegadinha. Não me conformo com questões que me incomodam, logo falo… tento alterá-las. Esforço-me pouco para me adaptar ao desconforto. Parece-vos bem, pensam vocês. Talvez. Não fosse ter a nítida sensação que perco o meu porto de abrigo, de cada vez que abro a boca para me queixar ou tentar alterar alguma coisa. Isto é, parece que me foge por entre os dedos. Segunda lição: Falar só quando é necessário.

Agora imaginem o meu fim-de-semana. Eu, no meio dos tarecos todos, com saudades dos meus filhos e a tentar adivinhar onde raio se encontra a força que deve estar dentro de mim. Emoção até ao rubro. Desejem-me sorte.

Sei lá… agora, no fim, apetece-me desejar apenas um poder especial. O uso da palavra, na altura certa e conveniente. Ou seja, menos emotividade, mais racionalidade. Raios partam!... é que mesmo a perder, não me consigo arrepender de nada.

sexta-feira, setembro 03, 2004

Quando tu quiseres


- Ai, ai!... Mãe!... ela está a ficar atrapalhada. Dizia-me ele.

- Não dês ênfase à situação. Respondia-lhe eu.

- Vou para ali?

Perguntaste-me. Acenei-te com a cabeça… Sim. Aproximaste-te do cadeirão de verga e com visível dificuldade, sentaste-te. Pernas juntinhas. Mãos apoiadas no acento, bem coladinhas às coxas. Ficaste. Trazias o vestido vermelho, aos quadradinhos. E juro-te que o teu rosto, habitualmente pálido como marfim, se tornou quase tão rubro como o vestido. Por detrás desses óculos (ficam-te a matar, acredita) os teus olhos recortaram-se em sinal de medo. Mas os lábios sorriam. Um sorriso contido. Mas sorriam. Percebi que querias ser forte. Aguentar-te à bronca, melhor dizendo. E fiz-te a vontade, linda. Ajudei-te (era isso que querias que fizesse, não era?).

O teu irmão gesticulava por trás de ti (tenho impressão que o vi roer as unhas). A tua irmã foi até à porta (não a leves a mal, temia que fizesse sangue). Eu mantive-me ali, à tua frente (acho que o homem teve mesmo que me dar um encontrão para lhe desamparar a loja). Os preparativos. Mantiveste o mesmo olhar e o sorriso fez pause, ali mesmo… no ponto que descrevi atrás.

Primeiro uma. Não era preciso (mas não fosse o diabo tecê-las) pedi licença ao homem para te levar ao espelho. Play no teu sorriso. Abriu um bocadinho mais (eu sabia que animava). Ajudei-te a sentar novamente. Não era preciso, eu sei… mas quis colaborar.

Depois a outra. Conseguiste, linda. Portaste-te como uma menina corajosa. Eu sei que estavas com medo. O teu irmão suspirou. A tua irmã voltou.

- Já está? Não fez sangue? Doeu?

- Não. Respondemos-lhe em simultaneamente, cada um a seu tom. Nem sabias o que fazer. Como recompensa, tornei a levar-te ao espelho (também não sabia muito bem, como agir, percebes?). Linda. O teu tom de pele tinha voltado ao normal. Levantei-te o cabelo. Deixei-te estar até quereres. Viste uma menina corajosa… que já sabe o que quer. Foi isso que viste, não foi? Reparaste ao menos nos brincos?

Escolheste bem. Ficam-te lindamente. Esperei mais de 4 anos, para te poder decorar as orelhas. Caraças!... adoro brincos! Mas essas orelhitas, só foram furadas quando tu quiseste.