Rir? Pensamos alguma vez em rir? Quero dizer, rir verdadeiramente, além da brincadeira, da troça, do ridículo. Rir, gozo imenso e delicioso, gozo completo…
… … anda, vamos brincar a rir? Estendíamo-nos lado a lado sobre uma cama, e começávamos. A fingir, claro. Risos forçados. Risos ridículos. Risos tão ridículos que nos faziam rir. Então chegava o verdadeiro riso, o riso inteiro, que nos transportava no seu imenso rebentar. Risos desatados, retomados, empurrados, estalados, risos magníficos, sumptuosos e loucos… E ríamos até ao infinito do riso dos nossos risos… Oh riso! Riso do gozo, gozo do riso; rir é tão profundamente viver.
(texto escrito por Santa Annie Leclerc, em 1974. Citado por Milan Kundera, em O Livro do Riso e do Esquecimento, publicado em 1979)
É curioso, este exercício sobre o riso e a gargalhada, de que nos fala Milan Kundera. Curioso, divertido e eficaz. Salutar, também. Faz bem à alma. Diria eu, que faz mesmo bem, a tudo. Escolhemos um parceiro e jogamos à gargalhada. Vamos lá ver, quem ri mais. Vamos lá ver, quem pára primeiro de rir. Ninguém quer perder. Por isso rimos, rimos, rimos… cada vez mais. A dada altura (quando nos começa a doer o estômago e os músculos da face) já nem nos importamos de perder. Mas também já não conseguimos parar de rir. E continuamos a rir. Escorrem-nos as lágrimas pelo rosto abaixo, mas rimos… cada vez mais. É giro. É fácil. A escolha do parceiro, não é de todo, importante. Podemos jogar com crianças, adultos, homens, mulheres, amigos, etc. Ninguém se compromete. Ninguém se torna dependente. Ninguém quer desistir. E, nunca queremos mais. Quando acabamos o jogo, estamos satisfeitos. Retomamos a nossa vida, com alegria e boa disposição.
Com os mimos, também devia ser assim. Escolhíamos um parceiro, e jogávamos aos mimos. Vamos lá ver quem mima mais. Vamos lá ver quem pára de mimar primeiro. Ninguém quer perder. Por isso, mimamos, mimamos, mimamos… cada vez mais. Mimos de ternura. Mimos de gozo. Gozo dos mimos. Mimar é tão profundamente viver.
Mas… a diferença, está no “mas”. No jogo dos mimos, há muitos “mas”. “Mas” que nos lixam, que nos amarram. “Mas” que nos fazem desistir do jogo. Parar de viver. Parar de rir. No jogo dos mimos, não podemos querer mais. Não podemos ser ridículos nem verdadeiros. Ou só podemos ser ridículos e verdadeiros, se tivermos menos de 10 anos. Quando a inocência justifica a vontade de mimar. Quando justifica a verdade e o ridículo. Quando se admite que sejamos honestos e palermas. O jogo dos mimos é condicionado pela vida que todos admitem para nós. Condicionado pelas regras que aceitamos serem criadas para as nossas próprias vidas. Por isso, nos mimamos pouco, uns aos outros. Por isso, desistimos de mimar, de ser mimados. Por isso morremos. Fechamos casas e vamos embora. Vamos embora de mansinho, na esperança de voltar um dia. Menos palermas. Menos honestos. Mais crescidos. Ficam os mimos por dar. Contidos no nosso corpo. Registados na nossa alma. Na nossa memória. Como se tivessem sido dados.
… …
Mais vale brincar ao jogo do riso. Risos ridículos. Risos tão ridículos que nos fazem rir. Vamos lá ver quem ri mais. Vamos lá ver quem pára primeiro de rir. Recompomo-nos depressa. Prontos para retomar a nossa vida, com alegria e satisfação. Viver com alegria. Muitas vezes cantamos. Cantamos mesmo em voz alta. Que se lixem os vizinhos. Que se lixe se não temos boa voz. Que se lixem as regras, desta vez. Cantamos a gritar. A gritar “O homem do leme”, dos Xutos e Pontapés (desculpem-me, é a que eu gosto mais de gritar). Caramba, desforro-me bem com esta canção. Hei-de conseguir ser feliz a gritá-la. Ridícula, palerma e feliz.
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