quarta-feira, janeiro 24, 2007

O cowboy ribatejano

Saído de um daqueles filmes de cowboys em tela pincelada a tons quentes e soalheiros onde os personagens masculinos sugerem barba de 3 dias, carregam um tom de pele curtida pelo Sol apesar do enorme chapéu e vestem roupas puídas e enegrecidas, assim parece ele.

Vi-o pela primeira vez, pouco depois de ter vindo morar para aqui, há mais de 16 anos. Julgo que não me atraiçoa a memória, quando me lembro dele exactamente com o mesmo aspecto que tem hoje. Sempre sozinho. Homem grande. Tom de pele muito moreno, cabelo comprido e negro, sempre com botas calçado e raramente sem o colete vestido. Apesar do seu aspecto desleixado, sempre me fez deduzir considerado cuidado em não fugir daquele estilo.

Pertence a uma família desconceituada cá no meio, da qual se maldiz muito e deve ser dos mais velhos de 5 ou 6 irmãos. Adivinho-lhe uma idade semelhante à minha, talvez um pouco mais velho. Quase sempre, quando o vejo, caminha à beira estrada. Mas já o vi também, mesmo que poucas vezes, parado junto a um café. Nunca falei com ele, tão-pouco nos cruzamos próximo. Agora que costumo permanecer algum tempo num edifício na estrada em que ele caminha, frequentemente pela porta aberta para a rua, o vejo passar, ora para cima, ora para baixo. Sempre sozinho. Quatro ou cinco vezes por dia.

Confesso que me desperta a atenção. Pelo agrado que me provoca a forma do seu corpo, o estilo com que se apresenta, a tranquilidade que demonstra mas sobretudo, pela curiosidade no percurso que terá feito até hoje. Claro que não me surpreenderia um qualquer desgosto mal superado, uma desistência dos valores dito normalizados ou até mesmo uma falta de adaptação aos mesmos, o que me surpreendia era que o estímulo que me causasse uma proximidade correspondesse àquele que me causa este distanciamento.

Porque uma aldeia pequena é o contexto deste testemunho, cruzámo-nos a pouquíssimos centímetros de distância, há meia-hora atrás e cumprimentámo-nos verbalmente pela primeira vez. Tem uma voz forte e rouca e os olhos tão negros como o cabelo.

4 comentários:

Keratina disse...

Querem lá ver que iremos ter um xamego entre a chica e o cowboy? é caso pra tirar as lantejoulas da naftalina?LOL Just Joking

Aq disse...

Nem naftalina, nem lantejoulas, nem xamego. Desiludida? :) Outro beijo, Keratina.

Anónimo disse...

Ainda dizem que nada acontece nas aldeias...
Afinal o "defeito" não está nas aldeias mas nos olhos que as observam :-)
Beijo

PS
Gosto destes teus posts sobre personagens da terra... Queres colecciona-los ? Ando numa de editora :-)

Aq disse...

Ah!... mas este cowboy é um figurão, só te digo. Só pelo tamanho, desperta atenção :) o hábito à figura dele e o "pré-(des)conceito" em que a família a que pertence, está encaixada é que distorce a observação. Já tenho alguns, já... "personagens da terra". Isto tudo misturado e ordenado à laia de história era capaz de resultar, teóricamente :) porque na prática, falta-me jeito e tempo. Beijinho grande, Maria Alfacinha.