quinta-feira, novembro 23, 2006

Taralhoquices II

Tinha acabado de mandar os miúdos para o pai. A azáfama dos preparativos, impediu-me de ir comprar tabaco mais cedo. O café onde habitualmente vou, mesmo ao lado da minha casa, costuma fechar às 9 da noite. Já eram 10, por isso, tinha que ir a outro, à mesma, na minha rua, mas em sentido contrário e mais distante.

Ainda no mesmo ritmo acelerado, agora desnecessário, já que estava liberta de compromissos, deitei mão ao primeiro casaco que encontrei, que mesmo não sendo meu, vesti apressadamente (uma das vantagens a que chegamos quando os nossos filhos começam a ter tanto corpo como nós – o casaco era do meu filho). Resolvi espreitar-me ao espelho antes de descer as escadas. Ainda bem. Estava com “o cabelo à bruxa do Harry Potter”, como dizem os meus filhos. Apressadamente teci uma trança que me baixasse o volume ao cabelo e desci as escadas, ainda sem consciência de que já não tinha pressa.

Fechei a porta atrás de mim e virei à direita (trajecto A). 2 ou 3 passos depois, apercebo-me ao longe, do vulto de 2 pessoas a sair e a fechar a porta do café onde pensava ir (costuma estar sempre aberta) – Olha!... já estão a fechar – pensei. Imobilizei-me no meio da rua e foquei os olhos na tentativa de reconhecer os vultos, contando que pudessem ser os donos do café e me fizessem sinal para avançar, que me valiam ainda. Em vão. Não reconheci os vultos. Mas, como não fizeram nenhum sinal, calculei que não seriam os donos, ou se fossem, não estavam para me aturar.

Por isso, virei costas e devolvi ao caminho os 2 ou 3 passos que tinha dado, voltando à porta de minha casa (trajecto B). A intenção era ir buscar as chaves do carro para ir a outro café, este ainda mais longe, comprar o raio do tabaco. Antes de meter a chave à porta lembrei-me que poderia ter a chave no bolso das calças. Verifiquei. Sim, tinha as chaves comigo. Por isso, tornei a arrepiar caminho, desta vez em sentido contrário, em direcção ao carro, do outro lado da rua (trajecto C). Já mesmo em cima do carro, vejo que não é o meu (já não é a primeira vez que confundo aquele carro com o meu... são da mesma cor). Tinha estacionado o meu, na rua travessa à minha. Voltei portanto, a mudar o rumo aos meus passos em direcção, agora sim, ao meu carro (trajecto D). Com tanta taralhoquice, foi assim que movimentei as minhas pernas. Fatal, para o que se veio a desenrolar depois.

Lá fui eu de carro ao café mais longe, buscar cigarros. De cabelo aprisionado numa trança e com o casaco acolchoado do meu filho (este pormenor é importante). Despachei-me num instantinho. Voltei. Estacionei o carro, agora, no lugar habitual, ou seja, atrás do outro carro da mesma cor que o meu, mesmo à frente da minha porta, do outro lado da rua. Entrei em casa.

Poucos minutos depois, toca-me o telefone de casa. Atendi. Era a minha vizinha do café mais perto (o tal que fecha às 9). Tão aflita que ela estava.

- Ó Ana!... você não se deu conta de movimentos suspeitos aí junto à sua porta? – perguntou-me.

- Movimentos suspeitos? Não. Entrei agora mesmo em casa e não dei conta de nada. Porquê? Roubaram-lhe outra vez as bilhas do gás? – foi a primeira coisa que me ocorreu.

- Não. Não. É mesmo, aí à sua porta. É que vieram aqui agora, 2 senhoras que viram um homem aí, a rondar a sua porta. Elas vinham do café do fundo e viram-no aí… para trás e para a frente… depois, subiu a travessa – explicava-se.

Ainda fui à janela da frente espreitar à rua, mas quando ela me descreveu pormonorizadamente, o movimento que o tal homem tinha feito e o casaco que trazia vestido, percebi logo o que se tinha passado. Disparei a rir.

O tal homem, de casaco acolchoado, que rondava em vaivém, a porta da minha casa, não era senão, eu própria. E os 2 vultos que eu tinha visto sair do café do fundo, eram afinal, as 2 senhoras que preocupadas, estavam em casa da minha vizinha do café, para todos juntos, me defenderem do malandro.

Nunca ninguém me tinha confundido com um homem. Se tivesse saído à rua com o cabelo solto, as tais senhoras tinham-me reconhecido, seguramente.

6 comentários:

Anónimo disse...

LOL
estou a le-la e revejo-me perfeitamente nessa situação de se enganar no carro, e andar de um lado para o outro, eu sou muitissimo despistada e ja me aconteceu por varias vezes não saber onde deixei o carro na noite anterior. Chego a sentir um frio no estomâgo quando penso que o podem ter roubado, e depois esta na rua ao lado. LOL
Quanto a confusão das senhoras, com certeza foi porque estava escuro minha querida. Beijinhos

MCV disse...

Uma história para os Anais da terra. Como bom português, direi que me fizeste lembrar uma outra história. :) Beijo, moça

PARTILHAS disse...

Ai mulher...

Só tu, para me fazeres sentir 1º cansada, depois curiosa e finalmente gargalhosa (isso existe?)...

Pois... realmente de cabelo solto... ninguém te confundiria...

Anónimo disse...

Tu a descreveres e eu a imaginar o ar suspeito que terias. Afinal foi isso mesmo. ehehehe
E se há coisa que consigo ver é mesmo nesse teu ar de barata tonta a mexeres-te tão depressa quanto pensas. É difícil desacelerar, não é ? :-)
Beijo grande

riacho disse...

Ah esses olhos perdidos!
Tão real foi a descrição que até te imaginei de cigarro ausente na mão enquanto a cabeça pensava para que lado se havia de virar.

:-)

Aq disse...

Zaida Afonso
Estas taralhoquices podem até ter o seu quê de engraçado, mas tenho aprendido que não nos trazem nada de positivo senão, de quando em vez, servirem-nos de tema para escrever :) Beijinhos, também.

Manuel
Uma outra história? Tão taralhoca como esta? :) Tens que ma contar. Beijo grande.

Partilhas
Não confundiam, pois não? Fraca ideia a minha de fazer o raio da trança :) Beijo grande.
PS - "gargalhosa"... se existe no teu dicionário, tás à vontade :)

Maria Alfacinha
É dificil desacelerar, sim. Também tens essa didiculdade, não é?
Beijo repenicado.

Riacho
É isso mesmo, Riacho... agora é que eu percebi. Devia ser falta de cigarros, mesmo :) Abraço apertado.