Tinha feito uma pausa no trabalho. A ida habitual à pastelaria, mais para fumar um cigarro, do que para beber o café. Não reparou quem estava nas mesas. Ao balcão não estava ninguém, senão do lado de dentro, a empregada habitual.
- Olá, Paula. Dá-me um café, por favor.
Paula, sabia que o intervalo era sempre pequeno. Respondeu ao cumprimento e depressa a atendeu. Voltou com o café que poisou sobre o balcão, à sua frente.
- Não te esqueças de jogar no Euromilhões – Disse.
- É Jackpot, não é? – Respondeu Laura, sem desviar o olhar do ecrã da televisão, onde já tinha cravado os olhos.
- A ver se não me esqueço. Obrigada - Acrescentou.
Não é que não lhe apetecesse conversar. Apenas estava alheia, sem grande poder de concentração, de fixação em coisa alguma, em assunto concreto. Até mesmo os olhos direccionados à televisão, não lhe faziam correr o pensamento, despertar o interesse.
Paula, percebendo o seu alheamento, encostou-se à bancada, do lado de dentro do balcão e esperou pelo próximo cliente.
A porta abriu e fechou. Ouviu-se uma saudação em dueto de vozes masculinas, à qual Paula respondeu, prontamente. Laura correspondeu também, automaticamente, sem que a curiosidade fosse suficiente para que o seu olhar mudasse de direcção.
Ouvia as vozes de Paula e dos dois homens. Ouviu mais uma vez, o barulho da máquina do café. O som baixo da televisão. Os seus olhos, baixavam e levantavam, entre o ecrã e o cinzeiro, continuando alheia ao que se passava em seu redor.
Depois, já não ouvia vozes. Apagou o cigarro e bebeu o café em 3 ou 4 golos. Poisou a chávena e olhou finalmente para Paula. Ia despedir-se. Os seus olhares colidiram. Paula apresentava um sorriso cúmplice de alguma coisa, mas Laura não teve tempo para concluir nada. Nesse preciso momento, sentiu um sopro no cabelo, junto à orelha direita que lhe desviou a atenção do sorriso de Paula.
Voltou-se repentinamente e numa fracção de segundos, aquele espaço vazio, aquele olhar vago, aquele alheamento, deram lugar a uma catadupa de emoções. Surpresa, alegria e comoção, chegaram-lhe o brilho aos olhos.
- O que é que tu estás aqui a fazer? – Perguntou ao homem que via à sua frente.
- E um abraço? – Respondeu-lhe ele.
…
O verão tinha acabado. As poucas idas à praia tinham sido feitas em conjunto. Sete ou oito vezes, já que António não disponha de muito tempo livre. Nunca foram cedo e ficavam sempre até depois do pôr-do-sol. Naquele dia, foi diferente. Já fazia frio e António não levava o seu filho pequeno. Tinham combinado encontro no sítio habitual. Laura chegou primeiro e sentou-se num banco, aguardando. O Sol ainda estava quente. Olhou em redor e como nada lhe suscitou interesse, tirou da mochila o livro que andava a ler. Dez ou quinze minutos depois, sentiu um sopro no cabelo, junto à orelha direita. Fechou o livro e sorriu.
- Hoje cheguei primeiro – Disse.
António deu a volta ao banco, sentou-se ao seu lado e beijou-a no rosto. Com ar cansado, recostou-se no banco.
- Quantas horas dormiste? – Perguntou Laura.
- Sei lá. Poucas – Respondeu António.
- Porque marcaste para tão cedo, então? – Tornou Laura.
- Ah!... temos que ir à praia. E quero apanhá-la ainda com sol.
- Hum!... praia. – Sorriu, satisfeita.
- Embora lá, então – Acrescentou.
Era evidente a diferença energética entre eles. Laura levantou-se primeiro e puxou-o por uma mão. António, pastelão, deixou-se arrastar.
No carro, pouco comunicaram por palavras. António, terno como sempre, vagueava a mão direita entre o manípulo das mudanças e a mão de Laura. Apertava-lhe a mão com força, antes de a retirar. Sempre. Como que a pedir licença ou a dar aviso, antes de as separar. Uma linguagem de afectos absorvente, que lhes retirava a vontade de conversar.
Já na praia, fizeram o habitual. Excepção à parte no que diz respeito às construções na areia, brincadeira imposta pela companhia de crianças pequenas. Costumavam deitar-se na areia da praia e olhar o céu. Adivinhavam formas de animais ou objectos nas nuvens brancas. Ou contavam as estrelas a partir da primeira que se começava a ver.
Ao fim da tarde fazia frio. Não tinham levado toalhas nem agasalhos suficientes. O Sol já mal aquecia e a areia estava demasiado húmida. Laura começou a queixar-se do frio. Levantou-se, permanecendo sentada. Abraçou os próprios joelhos, encolhida com o frio. António sentou-se também. Olhou para Laura e comentou a cor dos seus lábios: estavam arroxeados.
- Perdeste o bronzeado – Dizia, brincando.
- Olha para mim – Pediu.
Laura fez-lhe a vontade. Esforçou um sorriso. O olhar denunciava o quase desespero de tanto frio, sentia.
- Os teus olhos, ainda estão verdes… e tu não estás triste – Continuou.
Os olhos de Laura, esverdeavam quando se emocionava, chorava ou quando a luz do Sol era intensa.
- Não. Não estou triste e ainda há luz, sim, mas não a suficiente para me aquecer – respondeu Laura, sorrindo.
António, chegou-se a ela, abraçando-a demoradamente.
- Estás a tremer. Precisas de andar um bocado. De beber qualquer coisa quente.
- Uma coisa quente, sim. Preciso de beber uma coisa quente – Respondeu Laura, fixando-se a essa ideia.
António pegou nas sapatilhas dele e deu um nó comum aos atacadores. Atirou-as para cima dos ombros. Agarrou nos sapatos de Laura e levantou-se.
- Anda – disse, puxando-a por uma mão.
Conduziu-a em direcção ao mar. Laura, contrariada, tentava resistir. Na ideia, já só trazia uma bebida quente. Molhar os pés, era coisa que não lhe apetecia, de todo.
António repetiu-se, dizendo que não saia dali sem molhar os pés. Se teria que a levar ao colo... que se ela andasse, aquecia... que era só, até à direcção do bar. Uma imensidão de fracos argumentos a que Laura cedeu, não pela força deles, mas pela insistência de António.
Fizeram a praia, abraçados, chapinhando os pés na água gelada, para trás e para a frente, ignorando a localização do bar que ficava sensivelmente a meio, depois do paredão. António estava muito animado. Soltava disparates constantemente, aos quais Laura reagia, conforme podia. Mantinha, apesar do frio, a boa disposição, também. Mas, na ideia…estava fixa uma bebida quente. E quando ele movia o corpo, no sentido de se afastar ligeiramente, Laura determinada, prendia-o, assustada com o frio que sentiria se lhe fugisse o calor do corpo dele, se deixasse de lhe sentir o bafo quente, por entre os cabelos, junto ao pescoço, à orelha.
Quando finalmente António se cansou, direccionaram-se ao bar. Havia a atravessar toda a extensão de areia, o paredão, os degraus… Laura queixava-se que não aguentava. Tremiam-lhe as pernas de tal forma, que o seu andar era induzido pelo apoio de António. Tremia-lhe a voz, também. Deixou de falar, sob pena de morder a própria língua.
António percebeu que ela estava realmente, aflita. Repetia que já faltava pouco. Que breve, breve, estava a beber um leite quente, ou qualquer outra coisa. Leite com chocolate. Café com leite. Um chá. Tudo muito quentinho.
Foi o nome destas bebidas quentes e de todas as que António se lembrou de dizer, que aproximaram os degraus às pernas de Laura. Sentou-a no terceiro ou quarto degrau. Atirou com os sapatos para o lado. Despiu o casaco e cobriu-lhe as costas. Disse que voltava já.
E voltou. Com um copo de leite quente tapado com um prato pequeno e um casaco azul qualquer, que ajeitou por cima do dele, sobre as costas de Laura.
Manteve-se de cócoras uns degraus abaixo, à frente dela até o leite atingir o meio do copo. Pedia-lhe desculpa, aflito. Não lhe tirava os olhos de cima. Não largava as mãos dela e do copo.
A esse nível de leite, no copo, Laura conseguiu finalmente, falar. Sossegou-o, que já estava bem. António levantou-se. Sentou-se um degrau acima do dela, com uma perna para cada lado do seu corpo, acomodando-se às suas costas. Não disse nada, durante um bocado.
Foi Laura que quebrou o silêncio das vozes, insistindo que se sentia bem. Ouvia-se o mar. Potente. Ficaram ali os dois, retidos no pôr-do-sol, sentados nos degraus, com os corpos em concha.
A propósito de qualquer coisa que se disse, António lembrou-se de uma música e começou a cantá-la. Caetano Veloso. Cantou-a de princípio ao fim, surpreendendo Laura, que lhe conhecia a voz de rádio, falada. Cantada, não. Depois dessa, foi mais uma imensidão delas.
Ficaram assim, até já ser de noite. Entre canções sussurradas ao ouvido, risadas e disparates. Manteram os corpos quentes no abraço, reforçado pelo casaco azul emprestado. Protegidos pelos degraus. Nem as calças molhadas até ao joelho, os conseguiram fazer arrefecer.
...
Abraçou-o em silêncio, constrangida. Num abraço apertado e breve. Sob o olhar de Paula e do homem que acompanhava António.
- Estás na mesma, tu – Disse-lhe António, tocando-lhe nos cabelos.
- Até o cabelo – Acrescentou.
- Ah!... não estou, não – Respondeu-lhe, Laura – Na mesma, não estou.
- Mas tu , também não estás muito diferente – Acrescentou.
- Tenho pouco tempo, mas conta-me… continuas na seguradora? Na rádio? O André? – Quis saber, Laura.
- Na seguradora, não. Na rádio, sim… enquanto me quiserem. E o André já saiu de casa – Respondeu.
- E tu? Estás onde? Foi para aqui que vieste? – Acrescentou.
Não largavam as mãos, um do outro. Não tiravam os olhos, um do outro. Estavam sozinhos naquele diálogo, naquela troca de perguntas. Queriam saber tudo em tão pouco tempo. Souberam apenas o essencial. O que é possível saber da vida de duas pessoas, durante 15 anos, em 5 ou 10 minutos.
António estava ligeiramente mais forte. Cabelo curto. Mantinha o afastamento dos dois dentes da frente, a que Laura sempre achou graça. E as mãos… não resistiu a olhar-lhe para as mãos. Peludas. Pelos longos, negros e lisos. Dedos compridos. Aliança no anelar esquerdo.
Deveria ter voltado a casar, pensou. Fez apenas, mais perguntas sobre o filho dele. Disse-lhe que entretanto, também tinha tido os seus.
Ficavam ali horas a fio, a conversar, assim fosse possível. Mas nenhum dos dois propôs trocarem formas de contacto. António acompanhou-a à porta quando ela decidiu que não podia ficar mais tempo. Tinha gente à sua espera.
………………………………………..
Precisava urgentemente, de contar uma história.
Esta, foi a mais bonita de que me lembrei.
- Olá, Paula. Dá-me um café, por favor.
Paula, sabia que o intervalo era sempre pequeno. Respondeu ao cumprimento e depressa a atendeu. Voltou com o café que poisou sobre o balcão, à sua frente.
- Não te esqueças de jogar no Euromilhões – Disse.
- É Jackpot, não é? – Respondeu Laura, sem desviar o olhar do ecrã da televisão, onde já tinha cravado os olhos.
- A ver se não me esqueço. Obrigada - Acrescentou.
Não é que não lhe apetecesse conversar. Apenas estava alheia, sem grande poder de concentração, de fixação em coisa alguma, em assunto concreto. Até mesmo os olhos direccionados à televisão, não lhe faziam correr o pensamento, despertar o interesse.
Paula, percebendo o seu alheamento, encostou-se à bancada, do lado de dentro do balcão e esperou pelo próximo cliente.
A porta abriu e fechou. Ouviu-se uma saudação em dueto de vozes masculinas, à qual Paula respondeu, prontamente. Laura correspondeu também, automaticamente, sem que a curiosidade fosse suficiente para que o seu olhar mudasse de direcção.
Ouvia as vozes de Paula e dos dois homens. Ouviu mais uma vez, o barulho da máquina do café. O som baixo da televisão. Os seus olhos, baixavam e levantavam, entre o ecrã e o cinzeiro, continuando alheia ao que se passava em seu redor.
Depois, já não ouvia vozes. Apagou o cigarro e bebeu o café em 3 ou 4 golos. Poisou a chávena e olhou finalmente para Paula. Ia despedir-se. Os seus olhares colidiram. Paula apresentava um sorriso cúmplice de alguma coisa, mas Laura não teve tempo para concluir nada. Nesse preciso momento, sentiu um sopro no cabelo, junto à orelha direita que lhe desviou a atenção do sorriso de Paula.
Voltou-se repentinamente e numa fracção de segundos, aquele espaço vazio, aquele olhar vago, aquele alheamento, deram lugar a uma catadupa de emoções. Surpresa, alegria e comoção, chegaram-lhe o brilho aos olhos.
- O que é que tu estás aqui a fazer? – Perguntou ao homem que via à sua frente.
- E um abraço? – Respondeu-lhe ele.
…
O verão tinha acabado. As poucas idas à praia tinham sido feitas em conjunto. Sete ou oito vezes, já que António não disponha de muito tempo livre. Nunca foram cedo e ficavam sempre até depois do pôr-do-sol. Naquele dia, foi diferente. Já fazia frio e António não levava o seu filho pequeno. Tinham combinado encontro no sítio habitual. Laura chegou primeiro e sentou-se num banco, aguardando. O Sol ainda estava quente. Olhou em redor e como nada lhe suscitou interesse, tirou da mochila o livro que andava a ler. Dez ou quinze minutos depois, sentiu um sopro no cabelo, junto à orelha direita. Fechou o livro e sorriu.
- Hoje cheguei primeiro – Disse.
António deu a volta ao banco, sentou-se ao seu lado e beijou-a no rosto. Com ar cansado, recostou-se no banco.
- Quantas horas dormiste? – Perguntou Laura.
- Sei lá. Poucas – Respondeu António.
- Porque marcaste para tão cedo, então? – Tornou Laura.
- Ah!... temos que ir à praia. E quero apanhá-la ainda com sol.
- Hum!... praia. – Sorriu, satisfeita.
- Embora lá, então – Acrescentou.
Era evidente a diferença energética entre eles. Laura levantou-se primeiro e puxou-o por uma mão. António, pastelão, deixou-se arrastar.
No carro, pouco comunicaram por palavras. António, terno como sempre, vagueava a mão direita entre o manípulo das mudanças e a mão de Laura. Apertava-lhe a mão com força, antes de a retirar. Sempre. Como que a pedir licença ou a dar aviso, antes de as separar. Uma linguagem de afectos absorvente, que lhes retirava a vontade de conversar.
Já na praia, fizeram o habitual. Excepção à parte no que diz respeito às construções na areia, brincadeira imposta pela companhia de crianças pequenas. Costumavam deitar-se na areia da praia e olhar o céu. Adivinhavam formas de animais ou objectos nas nuvens brancas. Ou contavam as estrelas a partir da primeira que se começava a ver.
Ao fim da tarde fazia frio. Não tinham levado toalhas nem agasalhos suficientes. O Sol já mal aquecia e a areia estava demasiado húmida. Laura começou a queixar-se do frio. Levantou-se, permanecendo sentada. Abraçou os próprios joelhos, encolhida com o frio. António sentou-se também. Olhou para Laura e comentou a cor dos seus lábios: estavam arroxeados.
- Perdeste o bronzeado – Dizia, brincando.
- Olha para mim – Pediu.
Laura fez-lhe a vontade. Esforçou um sorriso. O olhar denunciava o quase desespero de tanto frio, sentia.
- Os teus olhos, ainda estão verdes… e tu não estás triste – Continuou.
Os olhos de Laura, esverdeavam quando se emocionava, chorava ou quando a luz do Sol era intensa.
- Não. Não estou triste e ainda há luz, sim, mas não a suficiente para me aquecer – respondeu Laura, sorrindo.
António, chegou-se a ela, abraçando-a demoradamente.
- Estás a tremer. Precisas de andar um bocado. De beber qualquer coisa quente.
- Uma coisa quente, sim. Preciso de beber uma coisa quente – Respondeu Laura, fixando-se a essa ideia.
António pegou nas sapatilhas dele e deu um nó comum aos atacadores. Atirou-as para cima dos ombros. Agarrou nos sapatos de Laura e levantou-se.
- Anda – disse, puxando-a por uma mão.
Conduziu-a em direcção ao mar. Laura, contrariada, tentava resistir. Na ideia, já só trazia uma bebida quente. Molhar os pés, era coisa que não lhe apetecia, de todo.
António repetiu-se, dizendo que não saia dali sem molhar os pés. Se teria que a levar ao colo... que se ela andasse, aquecia... que era só, até à direcção do bar. Uma imensidão de fracos argumentos a que Laura cedeu, não pela força deles, mas pela insistência de António.
Fizeram a praia, abraçados, chapinhando os pés na água gelada, para trás e para a frente, ignorando a localização do bar que ficava sensivelmente a meio, depois do paredão. António estava muito animado. Soltava disparates constantemente, aos quais Laura reagia, conforme podia. Mantinha, apesar do frio, a boa disposição, também. Mas, na ideia…estava fixa uma bebida quente. E quando ele movia o corpo, no sentido de se afastar ligeiramente, Laura determinada, prendia-o, assustada com o frio que sentiria se lhe fugisse o calor do corpo dele, se deixasse de lhe sentir o bafo quente, por entre os cabelos, junto ao pescoço, à orelha.
Quando finalmente António se cansou, direccionaram-se ao bar. Havia a atravessar toda a extensão de areia, o paredão, os degraus… Laura queixava-se que não aguentava. Tremiam-lhe as pernas de tal forma, que o seu andar era induzido pelo apoio de António. Tremia-lhe a voz, também. Deixou de falar, sob pena de morder a própria língua.
António percebeu que ela estava realmente, aflita. Repetia que já faltava pouco. Que breve, breve, estava a beber um leite quente, ou qualquer outra coisa. Leite com chocolate. Café com leite. Um chá. Tudo muito quentinho.
Foi o nome destas bebidas quentes e de todas as que António se lembrou de dizer, que aproximaram os degraus às pernas de Laura. Sentou-a no terceiro ou quarto degrau. Atirou com os sapatos para o lado. Despiu o casaco e cobriu-lhe as costas. Disse que voltava já.
E voltou. Com um copo de leite quente tapado com um prato pequeno e um casaco azul qualquer, que ajeitou por cima do dele, sobre as costas de Laura.
Manteve-se de cócoras uns degraus abaixo, à frente dela até o leite atingir o meio do copo. Pedia-lhe desculpa, aflito. Não lhe tirava os olhos de cima. Não largava as mãos dela e do copo.
A esse nível de leite, no copo, Laura conseguiu finalmente, falar. Sossegou-o, que já estava bem. António levantou-se. Sentou-se um degrau acima do dela, com uma perna para cada lado do seu corpo, acomodando-se às suas costas. Não disse nada, durante um bocado.
Foi Laura que quebrou o silêncio das vozes, insistindo que se sentia bem. Ouvia-se o mar. Potente. Ficaram ali os dois, retidos no pôr-do-sol, sentados nos degraus, com os corpos em concha.
A propósito de qualquer coisa que se disse, António lembrou-se de uma música e começou a cantá-la. Caetano Veloso. Cantou-a de princípio ao fim, surpreendendo Laura, que lhe conhecia a voz de rádio, falada. Cantada, não. Depois dessa, foi mais uma imensidão delas.
Ficaram assim, até já ser de noite. Entre canções sussurradas ao ouvido, risadas e disparates. Manteram os corpos quentes no abraço, reforçado pelo casaco azul emprestado. Protegidos pelos degraus. Nem as calças molhadas até ao joelho, os conseguiram fazer arrefecer.
...
Abraçou-o em silêncio, constrangida. Num abraço apertado e breve. Sob o olhar de Paula e do homem que acompanhava António.
- Estás na mesma, tu – Disse-lhe António, tocando-lhe nos cabelos.
- Até o cabelo – Acrescentou.
- Ah!... não estou, não – Respondeu-lhe, Laura – Na mesma, não estou.
- Mas tu , também não estás muito diferente – Acrescentou.
- Tenho pouco tempo, mas conta-me… continuas na seguradora? Na rádio? O André? – Quis saber, Laura.
- Na seguradora, não. Na rádio, sim… enquanto me quiserem. E o André já saiu de casa – Respondeu.
- E tu? Estás onde? Foi para aqui que vieste? – Acrescentou.
Não largavam as mãos, um do outro. Não tiravam os olhos, um do outro. Estavam sozinhos naquele diálogo, naquela troca de perguntas. Queriam saber tudo em tão pouco tempo. Souberam apenas o essencial. O que é possível saber da vida de duas pessoas, durante 15 anos, em 5 ou 10 minutos.
António estava ligeiramente mais forte. Cabelo curto. Mantinha o afastamento dos dois dentes da frente, a que Laura sempre achou graça. E as mãos… não resistiu a olhar-lhe para as mãos. Peludas. Pelos longos, negros e lisos. Dedos compridos. Aliança no anelar esquerdo.
Deveria ter voltado a casar, pensou. Fez apenas, mais perguntas sobre o filho dele. Disse-lhe que entretanto, também tinha tido os seus.
Ficavam ali horas a fio, a conversar, assim fosse possível. Mas nenhum dos dois propôs trocarem formas de contacto. António acompanhou-a à porta quando ela decidiu que não podia ficar mais tempo. Tinha gente à sua espera.
………………………………………..
Precisava urgentemente, de contar uma história.
Esta, foi a mais bonita de que me lembrei.
Verdade se diga, já estava meia escrita há uns tempos.
Foi só acabar.
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