(Dedicado a um fantasma chamado Riacho)
Devagarinho, veio ter comigo, cabisbaixa. Podia não ter reparado, aflita que estava nos meus afazeres. Mas reparei. E perguntei-lhe, enquanto limpava as mãos:
- Oh, filha!... Estás a fazer beicinho?
Desatou a chorar com o queixo apoiado na minha mão. Queixou-se do irmão, que lhe tinha atirado com o corpo do Snoopy à barriga (da cabeça, já não sabemos). Levantei-lhe a camisola, dei-lhe um beijinho na mancha mínima e rosada, que lhe encontrei na pele. Abracei-a. A cabeça dela, dá-me acima da barriga, abaixo do peito. Encaixa lindamente. E ficámos assim, uns minutinhos. Já é hábito. Das outras vezes, costuma dizer que ouve o meu coração. Hoje não teve tempo. Porque lhe disse que me sabia bem, a cabecinha dela… ali encostada a mim.
Lembrou-se então, que ia crescer e já com os olhos a brilhar disse:
- Quando tiver 10, dou-te por aqui. Marcou-me o pescoço com a mão.
- Quando for como a Inês, dou-te por aqui. Em bicos de pés, tocou-me na testa.
- E quando for como tu… …
A sorrir, deu um salto com o braço esticado. Imediatamente após, perguntou-me, fechando o sorriso:
- Oh, mãe! O avô usa fralda?
- Não. Respondi-lhe.
- É que a Margarida disse que todos os velhotes usam fralda.
A Margarida é uma colega dela. Mais velha, 15 dias.
- Nem todos. Respondi-lhe eu.
- Então, tu não vais usar.
- Não. Respondi-lhe convictamente.
Ia a virar costas, para se ir embora, aliviada. Eu não deixei. Contive a força nas mãos e apertei suavemente o rosto dela. Aproximei-me tanto dele, que nem via os totós que lhe fiz, hoje de manhã. E fiquei assim, a olhar aquele rosto de criança feliz. Disfarçando o olhar, roubei-lhe aquele sorriso. Tinha que o fazer. Disfarçar o olhar para que não me visse a tristeza. Roubar-lhe o sorriso para o guardar eternamente. Porque esta minha filha de 6 anos, que me consegue ler a alma, deu 3 pulinhos no tempo e chegou aos 40 anos. Afligiu-se. Não com os 40 anos dela, mas com os 34 que tenho a mais. Viu-me velhota e doente. Teve medo. E naquele momento em que retive o rosto dela entre as mãos, vi-lhe nos olhos o amor que me tem e no sorriso, a felicidade de me ter.
Finalmente, deixei-a ir. Foi-se embora aos saltaricos. Feliz e descansada. Eu retomei os meus afazeres, presa àquele sorriso. Mais tarde pensei que tenho que a deixar crescer um pouco mais e desdramatizar este uso de fraldas, dos velhotes. Vamos lá ver se não me esqueço.
Escrito a 25 de Maio de 2004
6 comentários:
Gostei da tua sensibilidade. Não estranhei, mas gostei de a reivindicares novamente. Dois beijinhos, dá um à pequenina que cresce num repente
Conseguiste devolver umas corzitas cá a este fantasma... eheheh. :-)
Um xi-coração bem apertado desta mãe-galinha para outra (devemos ter a mesma qualidade de penas) e um sincero 'obrigada' pela linda e profunda dedicatória a esta completa estranha. :-)
Olhem só para duas mães-galinhas que eu gosto tanto de ler ! Uma mais recente que a outra, mas duas boas surpresas :-)
Quase que me sinto uma "intrusa" por aqui.
Mas voltarei ! Volto sempre... :-) Beijo
Dá gosto ler.
Manuel
Mal, Fia? Acho que não. Fizeste-me foi lembrar de átomos e moléculas, eheh. Mas tu, tens 27 anos e muitos sonhos para viver. Sim. Eu cá acho que os sonhos vivem-se. E sabem tão bem. Mas prepara-te que ser mãe é muito diferente daquilo que pensamos, enquanto não o somos. Mas também é um sonho. Antes e depois de sermos. Beijinho.
Estava à espera de um comentário teu. "Totós?... com lacinhos cor de rosa?". Sim. Era assim, um comentário destes que estava à espera. Mas tu Yardbird, és um cavalheiro e poupaste-me. Beijinho
Completa estranha, Riacho? Parece-te? A mim, parece-me que não. Às vezes, somos mais estranhos a quem nos conhece bem. Ainda bem que te cheguei um bocadinho de cor. A intenção era essa mesma. Beijinho.
Intrusa? Foi por causa de ti que nos conhecemos todas. E em boa hora, digo eu. Beijinho, Inconformada. Dos grandes. E um abraço... "daqueles bem apertados, sabes?".
Como dizia a outra: Curtas e poucas.
Quero mais, Manuel, eheh.
Beijinho grande.
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