sexta-feira, outubro 06, 2006

Escrever sobre pregos

(continuo nas provocações)

Era uma vez uma caixa de ferramentas, praticamente abandonada, numa despensa de uma casa onde vivia só uma mulher (por isso mesmo, “praticamente abandonada”).

Pregos, parafusos, porcas, chaves de fendas, martelos e outras ferramentas, conviviam harmoniosamente, dentro da caixa de ferramentas, praticamente abandonada. Os meses a fio, uns atrás dos outros, em que não viam a luz do dia, ou mesmo das lâmpadas, não interferiam no estado de alma deles (sim, porque os pregos, parafusos, chaves de fendas e afins, também têm alma, nós é que não sabemos) que são imunes à claridade e à escuridão.

Bom… são imunes, não é bem assim. Quase todos, são imunes, porque até no mundo das caixas de ferramentas, o conceito de “todos iguais, todos diferentes”, existe. Havia um prego já usado (na verdade, uma prega… que os pregos e parafusos também têm sexo, nós é que não sabemos) meio torto, com a cabeça achatada, que só dava sinal de vida, quando a caixa de ferramentas era aberta. Com efeito, a prega ficava imóvel durante todo o tempo em que a caixa de ferramentas não se abria. Todos os seus outros colegas concordavam numa teoria sobre o comportamento da prega: Entendiam que como já tinha sido usada, não se conformava com aquela espécie de inutilidade que encontrava dentro da caixa de ferramentas.

De cada vez que a caixa de ferramentas era aberta, normalmente para ser acrescida de mais pregos, parafusos, porcas ou chaves de fendas (que as mulheres nunca sabem o que têm dentro das caixas de ferramentas e por isso de cada vez que precisam de alguma coisa, compram mais)… de cada vez que a caixa de ferramentas era aberta, dizia eu, a prega saltava como se de uma mola se tratasse e esbracejava (que os pregos também têm braços, nós é que não os vemos) ridiculamente, na esperança de dar nas vistas e por isso mesmo, ser usada. Nada. Voltava por isso, à imobilidade total, enquanto todos os seus colegas, afáveis e cordiais, davam as boas vindas aos novos pregos, parafusos… fosse o que fosse.

Da última vez que a caixa de ferramentas tinha sido aberta, fora para albergar um prego sem cabeça galvanizado. Grande, belo e espadaúdo, o prego galvanizado, fez furor entre as pregas, chegando mesmo a enciumar o martelo mais velho, líder da caixa de ferramentas. Com um jogo de cintura do caraças, sedutor até dizer chega, depressa deu a volta ao martelo e ficaram grandes amigos. Aliás, não foi só ao martelo velho, foi mesmo, a todos quantos estavam dentro da caixa de ferramentas e, verdade se diga, até mesmo à caixa.

(Desilude-te miúda, que não vai haver romance nenhum entre o prego galvanizado e a prega de cabeça achatada, mas, afinal, uma história de encorajamento e solidariedade).

É verdade, o sedutor prego galvanizado, alto e espadaúdo, como já disse, seduzindo tudo e todos, dentro daquela caixa, tentou claro, também, cativar a prega de cabeça achatada. Inteligente, que também era (que eles também têm raciocínio, nós é que não sabemos) avançou a matar. A prega de cabeça achatada seria a única que poderia ter histórias interessantes para contar, visto que já tinha sido usada. Nada como pôr uma fêmea (mesmo que prega) a contar histórias sobre si própria. Nunca mais se calam. Mas, não. A prega de cabeça achatada, não abria a boca (que eles também comunicam, nós é que não percebemos) nem se mexia. Sem reacção, absolutamente nenhuma. Claro, que para qualquer um de nós, humanos, este tipo de inércia, aliás qualquer tipo de inércia, chega a ser enervante. Mas, no mundo das ferramentas é diferente. Todos se preocupavam com a prega de cabeça achatada. Todos se esforçavam por compreendê-la.

O prego galvanizado, alto e espadaúdo (já disse?) consolidou a ideia que de facto, aquela prega torta e de cabeça achatada, tinha mesmo que apanhar a luz do dia ou das lâmpadas e sair urgentemente daquela caixa, até mesmo, porque estava a estragar (só um bocadinho) o ambiente harmonioso de que todos se orgulhavam. E caramba, se tanto queria sair, vontade lhe fosse feita. Mais provido de neurónios, quiçá por ser um prego de última geração, depressa arquitectou um plano para ajudar a prega de cabeça achatada a ser feliz fora da caixa.

Da vez seguinte que a caixa de abriu, não foi apanhado desprevenido, e instantaneamente (que se lixe o plano de fuga, que eu na verdade, não tinha ainda pensado em nenhum, que esta merda de escrever sobre pregos, é difícil como o caraças) agarrou no pé da prega de cabeça achatada (que os pregos só têm um pé, mas isso, já a gente sabe) e carago!... com toda a força, mandou-a cá para fora, que a prega, até atirou um grito.

- Fonix!... (que as senhoras, mesmo pregas, não dizem “foda-se”).

Todos, dentro da caixa de ferramentas, ficaram expectantes e em silêncio, à espera de perceber o que se passava a seguir. Mas, tal como os humanos não entendem a linguagem dos pregos e afins, estes também não percebem a linguagem dos primeiros. Lá ouvir sons (é claro que também ouvem… senão, como se entendiam uns aos outros?... nós é que não sabemos, pois…) ouviram, não entenderam foi, nada. O melhor que tinham a fazer, após se ter fechado a caixa de ferramentas, era concluir, que a prega torta, de cabeça achatada estava mais feliz que nunca. De consciência tranquila, o prego galvanizado belo, alto e espadaúdo (eu sei que já disse) e os seus companheiros, voltaram à sua convivência harmoniosa, agora sem a prega de cabeça achatada, de quem afinal, até sentiram falta.

(E agora... como é que eu termino isto?)

Bom, a mulher que vivia na casa que tinha uma despensa, onde guardava a caixa de ferramentas (lembram-se dela?) ao ver a prega torta, de cabeça achatada a saltar da caixa de ferramentas, apanhou um cagaço do caraças, claro. Fechou imediatamente a caixa, não fossem de lá saltar mais ferramentas e outras coisas. Pegou na prega e exclamou:

- Ah!... afinal, estavas aqui.

Dirigiu-se ao corredor, enfiou a prega num buraco que existia na parede, descalçou um sapato e deu-lhe com o salto. Depois, tirou de trás de uma porta, um pequeno quadro, soprou algum pó que nele houvesse e pendurou-o na prega. Deu 2 passos atrás e observou:

- Porreiro!

Foi exactamente, a exclamação que a prega, fez também (digo eu).

Bom… a história podia ter um fim mais entusiasmante, mas eu tenho que ir buscar o meu filho à escola. E o que interessa é que consegui escrever sobre pregos, que era uma curiosidade que tinha por satisfazer.

9 comentários:

MCV disse...

Tenho aqui aos meus pés - ó eu a olhar para ele - um parafuso de estimação que pesa 490g. Um bicho destes a saltar de uma caixa...
Beijo

Keratina disse...

Quando não mete romance ao "barulho" não tem graça nenhuma! Que seria deste mundo sem pregas e pregos, mesmo que com as suas pancas e com as suas amarguras passadas? A ver se da próxima te lembras do romance ao escrever uma história.
Adorei a tua prega! Beijinhus gandes e apertados !

Keratina disse...

PS- Ou estou muito burra hoje ou não entendi a provocação...ai jasus que tenho que começar as vitaminas novamente!
já mandei beijos hoje?!

Aq disse...

Pois, nem a saltar da caixa, nem a servir para um buraquinho na parede. Definitivamente, um parafusão, indigno de uma caixa de ferramentas de senhora :) Beijo, Manuel.

Num tem graça?!... ohhhh!... e eu a pensar que tinha finalmente, recuperado o meu sentido de humor. Epá, é que já é difícil contar uma história de pregos. Fazê-los apaixonarem-se, não achas que é um bocadinho, demais? Beijo apertado, pois (achei piada a essa).
PS - A provocação não é para ti.

Keratina disse...

Miuda, tô muita mais desacansada que não estou assim tão burra hoije...
provocações à parte, não poderás romancear um cadinho a sequela dos pregos e das pregas?

Aq disse...

Não. Tu de burra, não tens nada, nem hoije, nem nunca. Beijo apertado ;)

Aq disse...

Um dia, hei-de ler a tua :) Abraço que nunca passe

Anónimo disse...

De facto... merecia, sim. Um outro fecho e, E até, continuação!!
Estou a falar a sério. Quero (sublinha lá o "quero"...) ver seguimento nesta prega que de pouco (a)achata(da) tem. Não sei porquê, mas a história faz-me lembrar alguém...

;-)

Mas ouve lá... o martelo não devia ser o padre das redondezas?


(lol! Olha que giro. As palavras-verificação que me calharam foram: homji)

eh eh eh

Aq disse...

(se calhar é um dia determinante... falta saber se é o "hoije" da Fia, se é o teu "homji" ou se é mesmo o dia de hoje) A prega parece que fica mesmo por aqui. Saltou da imobilidade total para um buraco. Enfim... até ver, está "arrumada". Mas podes sempre continuar tu, já que a prega te fez lembrar alguém :)
Abraço apertado, Riacho.