sábado, dezembro 03, 2005

Conciências

É certo que a maior parte das vezes que escrevo, faço-o por uma questão egoísta. Ou seja, faço-o primeiro, porque me apetece escrever (mais do que falar) e segundo, porque me apetece fazer sair o que me vai na alma. Sendo que, o verbo “apetecer” poderia ser facilmente substituído pelo “precisar”. É portanto, uma questão, perfeitamente, individualista.

A questão é, porque publico eu, algumas das coisas que escrevo, partindo do princípio que o faço levando apenas em conta, a minha vontade, a minha necessidade. Sim, porque se publico palavras que nascem das minhas emoções, vivências, até opiniões, estou obviamente a partilhá-las com quem as lê. E aqui, a ideia do par individualismo/partilha parece um contra-senso.

Já uma vez, publiquei aqui um texto que se aproximava do assunto dos dois últimos parágrafos. E na verdade a tal ideia da parede de espelhos de que nos fazemos rodear, faz-me algum sentido. É na nossa exposição que vimos os reflexos das outras pessoas. E são os reflexos das outras pessoas que frequentemente, nos consolidam o raciocínio.

Seja como for, ou porque é urgente fazer sair, ou porque é preciso tornar o raciocínio claro, ou porque apenas há necessidade de deixar registos feitos, tenho-me sentido perfeitamente egoísta a escrever.

Não é o caso deste post. Me parece. Neste, quero mesmo partilhar uma opinião. Uma vivência. Abordar um assunto sério de uma forma, sucinta e desprovida de emoções. A violência e a agressividade, sob o ponto de vista afectivo.

Sim, porque há uma violência e uma agressividade, que de afectos está desprovida. Fazer o mal, por fazer. Mas também há violência e agressividade no seio dos afectos. Em nome do amor, muita merda se faz. E, se no primeiro caso há uma leitura clara, que desencadeia uma reacção rápida e segura, já no segundo caso, o mesmo poderá não acontecer.

E quando não acontece, tudo se complica. Instala-se uma relação agressor-vitima, difícil de expirar. Muitos de nós, poderemos pensar que seria impossível sermos parte integrante de uma relação destas. Penso que a maior parte de nós, estará enganada. Basta que tudo se enquadre num qualquer contexto de permissividade e está o caos, instalado. Permite a vitima, o avanço do agressor. E permite o agressor, a passividade da vítima.

É claro que eu julgo que cada um de nós terá características dominantes, ou de vitima ou de agressor, sendo possível que nunca venha a ser nem uma, nem outra coisa. Assim, como também me parece, que os papéis poderão ser invertidos. Depende muito do contexto, de facto.

Mas conjugadas as características e o contexto, só o respeito nos salva. Ou seja, a formação de base. Aqui assenta, seguramente, o travão. O respeito pelo próximo. O respeito por nós próprios. Sendo que quem respeita muito o próximo, muitas vezes não se respeita a si próprio convenientemente. Assim como quem zela convictamente por si próprio, normalmente está a borrifar-se para os outros.

É uma teia muito relaxada, esta da efectividade de formação. Um equilíbrio difícil de consolidar. Até mesmo de construir. Por isso, falha muitas vezes, dando azo a que emirjam o agressor e a vítima. O abusador e o abusado. No seio dos afectos. Onde tudo se complica mais. Onde a permissividade é ainda maior. Na tentativa de compreender, de desculpabilizar. Atitudes há, que não se tomam por isso. Para evitar a dor, o sofrimento, o conflito. O agressor vai ganhando espaço e a vitima, encolhendo. Pode demorar anos. Pode ser fatal. Mas também se pode mudar o curso aos acontecimentos.

É preciso, antes de mais, que se reconheça o quadro. Os papeis. É preciso reter algum tempo. O tempo suficiente para que surja a primeira certeza. E depois… é preciso que se decida, não esperar mais. Esperar que os afectos normalizem, é um erro. Esperar que a situação se resolva com o tempo, é outro. Esperar que consigamos resolver a situação sozinhos, o maior de todos. É preciso tomar decisões práticas. Obviamente, quem está em melhor condição para as tomar, é a vitima. Não, porque seja a que sofre mais. Mas porque é a que tem mais ferramentas ao seu dispor. Basta ser capaz de as usar.

Falo dos tribunais. Da policia. De todas as instituições de apoio à vitima. Da família. Dos amigos. De tudo. Falo de tudo, sem excepção, aleatoriamente e sem pudor.

Ajuda-nos também o bom-senso e a concentração.

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Eu pensava que o facto de não ter “espírito de vítima” era quanto bastava para nunca o ser. Pensava que o facto de ser orgulhosa, às vezes dura com as palavras, refilona quanto baste, não deixava dúvidas. Falso. Nada mais falso. Fui e ainda sou, de alguma forma, vítima de maus-tratos. E antes me tivessem algum dia, agredido fisicamente, que tinha despertado para a realidade, mais cedo do que despertei. Porque agressão, é tudo aquilo que nós permitimos que nos façam, contra a nossa vontade. E se os nossos afectos e os dos outros, são usados constantemente, como arma de arremesso, na tentativa de nos fazer aceitar aquilo que não queremos, então, não há margem para indecisões. Há que agir. Com medo, ou sem ele.

8 comentários:

riacho disse...

Não sei porquê, mas só me ocorre um pensamento ao chegar ao fim da leitura do post. Uma catapulta de cordas rasgadas. Foi isso que eu vi algures quando acabei de te ler. Agora, pergunta-me onde e porquê.

Anónimo disse...

Porra mulher!
E um chorrilho de asneiras e de lágrimas... sem palavras... apenas olhares, presenças e gritos... mesmo os que não se ouvem... ou esses precisamente esses

Anónimo disse...

Este assunto é interessante e seria, sem dúvida, um bom tema para uma longa conversa, na companhia de um bom vinho tinto e de um bom queijo serrano. E embora partilhe do entendimento expresso no post há uma frase que me apetece comentar, pela contradição que em si encerra, que é a seguinte: "Porque agressão, é tudo aquilo que nós permitimos que nos façam, contra a nossa vontade".
Se permitimos o que quer que seja não vejo como se possa considerar este acto uma agressão. De igual modo, se existe uma manifestação de vontade consubstanciada na permissão antão também não podemos dizer que é contra a nossa vontade. Só há verdadeiramente agressão quando se atenta contra a nossa vontade. E se atentam contra a nossa vontade então não haverá permissão. Se admitimos o que quer que seja contra a nossa vontade só o posso entender de duas formas: ou abdicando do que se gosta em proveito de outrém e neste caso haverá partilha e não agressão. ou então permite-se ainda que contra a vontade e haverá cobardia.
Às vezes somos levados a justificar as nossas fraquezas transferindo para os outros as culpas que nos cabem. Um caso para continuar a pensar.

Aq disse...

Ainda bem que nunca tinhas pensado neste assunto visto por este ponto de vista, Fia. É sinal que te é distante. Ainda bem. Beijinho grande. PS – Vai aparecendo, por favor.

Uma catapulta de cordas rasgadas. Sim. A segurança por um fio… rasgado. Uma verdadeira aflição. Uma espécie de tempo de guerra. Contudo, neste momento prefiro ver as coisas numa perspectiva mais prática, ou seja, um problema, que como todos, tem que ser resolvido. Beijinho, Riacho.

Um turbilhão de emoções… é isso que queres dizer, Partilhas? Te garanto que não dão jeito nenhum, para resolver situações, como esta. Mas sim, é preciso um esforço do caraças, para afastar as emoções do caminho. Tanto mais, que uma das características do agressor, deste tipo de agressor, é apelar, precisamente, às emoções. É normalmente muito hábil, a fazê-lo. Abraço apertado (acalma-me esse coração).

O aspecto que mais me aborrece neste mundo da virtualidade é a facilitação ao anonimato, por trás do qual, muitas palavras aqui se escrevem. Quem me tem lido, desde o princípio, sabe que assim penso. Quem me conhece, também. Não me apetece nunca, responder a um comentário anónimo, mas este merece-me particular atenção, de tão distante da minha opinião, ser. Por isso, vou responder. Eu seria incapaz de conversar com alguém sobre o assunto deste post, a comer e a beber, fosse o que fosse. O assunto em si, revolta-me o estômago. Tira-me o apetite. Depois… a permissividade, não é sempre espontânea. Pode ser manipulada, pressionada, coagida. Há um sem número de formas e motivos de, e para o fazer (o mais eficaz, é o uso dos afectos). E quando este processo acontece, se instala, corre ao longo do tempo e se dá a permissão, é um engano, é um terrível engano, concluir-se que a mesma se tornou numa partilha. Uma partilha é uma entrega, de preferência, mútua e espontânea. É exactamente, com base neste erro, que se iniciam relações de abusador/abusado, agressor/vitima. Também me parece evidente, que há poder exercido e medo, nestas relações. Terminei o meu post a dizer isso mesmo: “Há que agir. Com medo, ou sem ele”. Mas, não me parece que em momento algum, eu tenha atribuído mais culpas ou responsabilidade, a um, ou a outro papel. Reforço até a ideia, de não saber, quem sofrerá mais, se o agressor, se a vitima. Contudo, tenho a certeza que quem está mais à mercê da vontade do outro, mais desprotegido às agressões e à maldade, é a vitima. Tenho eu, a certeza disso e tem felizmente, a sociedade. Por isso há uma série de mecanismos de protecção à vítima. Não, ao agressor.

Anónimo disse...

Ah! afinal sempre tenho alguma razão. Se a coisa que mais a chateia é facilitação do anonimato, concluo que a tolerância não é coisa que more para essas bandas. Além do mais, quero dizer que, não raras vezes, é à volta de um piteu e de um bom copo que se discutem e resolvem, sem formalidades especiais, problemas desta natureza e de dimensão superior.
Também não percebi muito bem como é que a permissividade pode ser manipulada, pressionada ou coagida. Ou melhor, talvez até possa perceber, mas aí o problema não está no manipulador mas sim no carácter, ou nas falta dele, do manipulado ou pressionado.
Por último, também me interrogo quanto àquela ideia, de não saber, quem sofrerá mais, se o agressor, se a vitima. Se ambos sofrem provavelmente são ambos vítimas! mas também podem ser ambos agressores! E aí o que é que fazem as tais instituições? Aconselham e esperam sentadas que as pessoas resolvam as situações. Se não conseguirem ultrapassá-las pior para elas. Dificilmente poderão ter uma boa conversa, saboreando um bom pitéu e bebendo um bom copo de tinto...de preferência, da Tapada dos Coelheiros, Quinta dos Cabaços ou mesmo Vila Santa.
Bj AQ

Anónimo disse...

Querida,
O que eu quera dizer mesmo, mesmo, mesmo... é que é uma Merda, pessoas como nós, que sempre nos achámos acima dessas merdas... sermos apanhadas na rede!
O que não é mau... são as tais lições de humildade... que a vida nos dá...

Dá-nos outra visão, do sofrimento dos outros e na nossa própria pequenez...

Nós, sabemos que não somos vitimas...e ao negá-lo, deixamo-nos enredar nesse processo, por negação e quanto mais negamos, mais vitimas nos tornamos... O agressor... esse só o é, porque nós o permitimos... Sim, claro, que é inconsciente, involuntário e ainda hoje inconcebivel... que assim seja. Mas é!
Ser vitima é f..... mas assumi-lo, é meio caminho andado, para deixar de o ser...
E feliz de quem, não percbe nada do que se fala por aqui!
Aquele abraço... E quem disse que eu quero aclamar, o meu coração?

Aq disse...

É Partilhas, tu disseste uma coisa muito importante. A questão de nós nos sentirmos à margem de certas situações. Neste caso no contexto da violência, da agressão, do abuso, da falta de respeito pela vontade do próximo. Eu acho que nos sentimos à margem, exactamente, por não termos construído defesas ao longo da vida. Por não nos terem sido ensinadas na nossa infância, adolescência. Por não termos nunca, vivido neste meio. Por nunca ter sido preciso. Se olharmos ao percurso do agressor, normalmente é exactamente o contrário. Por isso, eu referi o contexto e a formação de base dos intervenientes. É claro que isto não faz da vítima um cobarde, nem faz do agressor um herói. Muito pelo contrário. É claro também, que ambos sofrem. O sofrimento da vítima é evidente. O do agressor, também. É óbvio, que quando o agressor actua como tal, é porque se sente impotente para resolver a situação de outra maneira. Causa-lhe sofrimento, desespero, seguramente. E a vitima tem capacidade para reconhecer esse sofrimento, esse desespero. Por isso mesmo, vai desculpabilizando, perpetuando a situação. Por isso é tão responsável como o agressor. Por isso, não consigo atribuir mais culpa a um ou a outro. Isto, é a leitura que faço do quadro, quando instalado. Mesmo assim, Partilhas, mesmo assim… é difícil desfazer o quadro. E sabes porquê? Porque para travar um agressor, o maior passo, tem que ser dado pela vítima. E ela própria, para o conseguir fazer, tem que se tornar numa espécie de agressora. Uma característica que tem que adquirir (porque não a tinha). Às vezes, demora tempo. Tempo que o agressor vai aproveitando e usando para aumentar o grau de violência, de abuso. Até ser travado pelas forças de segurança, pelos tribunais, ou por uma desgraça qualquer. É duro de ver, de fazer… quando há afectos a rodear a situação, os nossos e os de outras pessoas. Beijinho grande, linda.

Aq disse...

Agora, ao reler o meu comentário, verifico que me esqueci de um aspecto de considero importante (isto dáva outro post). O agressor, entende sempre que a passividade da vítima, se prende à sua cobardia. Nunca a consegue entender como uma tentativa de evitar mais sofrimento ao próprio agressor e aos outros intervenientes. Por isso, julgando-a sem força, avança cada vez mais. Outra caracteristica, ainda do agressor, é acreditar que sofre mais do que os outros. Ninguém sofre tanto como ele. Parece um contracenso, não é? Em relação à vitima, há um enorme abandono da sua própria pessoa. Interessa sempre mais o bem-estar dos outros, que o dela própria. Julga-se forte, resistente... aguenta tudo. A vitima, tem uma imensa dificuldade em compreender que o respeito é um valor comum, ou seja, não se tem respeito só pelos outros. Tem-se por si próprio também. Outro beijinho, Partilhas.