Solidão
Há o conceito de não ter ninguém por perto. Porque se mora sozinho. Porque se está muito tempo sozinho. Não interessa. Esta solidão conheço mal. Raramente me acontece. Por isso mesmo, esfrego as mãos de contente, quando me encontro realmente sozinha, isto é, sem ninguém por perto. Aproveito para escrever. Aproveito para ouvir música a 20 db. Dançar. Cantar. Ou simplesmente deitar-me sossegada. Depende do que me apetece fazer. Depende também das minhas obrigações, ou seja, das tarefas que me competem e que tenho em atraso.
A solidão a que me refiro, é outra. É fácil surgirem-me imagens dela. Difícil é conceitua-la. Mas acho que consigo, se me valer das imagens também.
Deitamo-nos ao lado de alguém que nos é íntimo (marido ou mulher, pais, filhos, irmãos, amigos ou amigas, não interessa) e ao invés de nos sentirmos simplesmente confortados, sentimo-nos igualmente sozinhos. O conforto vem apenas da sugestão de companhia e mais fisicamente, do próprio leito. Esta foi a primeira imagem.
Num grupo de amigos, ou até mesmo só com uma pessoa, há uma conversa animada. Saímo-nos bem. Tivemos piada. A conversa foi interessante. Entretanto acabou. Ficamos sozinhos. E, se nos olharmos a um espelho, não vemos satisfação. Vemos solidão. Caiu a máscara. Mas só depois de estarmos sozinhos. Está foi a segunda imagem.
Ou seja, solidão é falta de partilha. Partilha efectiva. E quanto mais gente temos, mais frustrados nos sentimos. Porque com nenhuma das pessoas fossos capazes de partilhar. Com nenhuma das pessoas desarmamos. Com nenhuma das pessoas fomos capazes de tirar a máscara. Porquê? Porque não encontrámos em ninguém capacidade de descobrir. De querer ver para além da máscara. Ou pior ainda… de descobrir e de ver para além de… e simplesmente não aceitar. As pessoas não se aceitam como são. Aceitam-se conforme é conveniente. Conveniente socialmente. Conveniente em relação ao próprio conceito de razoabilidade ou normalidade. Conveniente para não arranjarmos problemas com e para os outros (quantas vezes não partilhamos, apenas para não preocupar as pessoas). Por isso surgem os segredinhos. As coisas inconfessáveis. A máscara cada vez mais espessa, menos identificável. E o verdadeiro eu, fica escondido cá bem no fundo. Só nós próprios nos encontramos com ele. Este é o meu verdadeiro conceito de solidão. E… estou farta de estar sozinha. E quanto mais falo, mais escrevo, mais canto ou danço, mais grito a minha solidão. Ela própria… mascarada. Solidão é portanto, a nossa própria individualidade. Aquela que não conseguimos partilhar com ninguém.
Escrito a 31.07.2004