quinta-feira, abril 20, 2006

Moribunda

Mortiça, sobre uma cama onde me obrigavam a recolher para fazer a sesta que nunca dormia, entretinha-me com o vaivém da cortina, ao sabor do vento quase sempre quente, que a animava. E esperava paciente, quase moribunda, que surgisse a ordem de me poder levantar. Na verdade, não me entretinha só com a dança das cortinas. Sonhava, também.
Tinha menos de 11 anos.

Hoje, não me entretenho com sonhos. Tão-pouco com cortinas. Mas continuo esperando paciente, quase moribunda, pela oportunidade de me poder levantar.

Hoje, entretenho-me com lembranças. Aquelas que me roubaram os sonhos. Que me roubaram até, as cortinas.

Por isso estranhei ouvir a repreensão de ontem à noite:

- Lá estás tu a sonhar outra vez.

.....................

Sonho?
Afinal, ainda consigo?
Oxalá estejas certa.

quinta-feira, abril 06, 2006

5 de Abril

Numa noite em que eu tentava escapar da minha realidade só por uns momentos.
Numa noite em que ele estava disponivel por força das circunstâncias.
Os nossos caminhos cruzaram-se.

- Tens filhos? - disparei despropositadamente.

Lá me conseguiu responder, depois de o convencer da inocuidade da pergunta.
Era uma das condições essenciais para eu conseguir conversar nessa noite.
Com alguém que conseguisse (des)contar um estado permanente de ansiedade, na minha condição de mãe.

Foi apenas um cruzamento.
Porque tinha que ser.
Mas eu escapei mesmo daquela realidade.

Faz hoje 2 anos

segunda-feira, abril 03, 2006

Ainda a propósito de miúdos

Hoje apareceram-me as formiguinhas todas... contei-os mesmo, eram 21... dizia eu, que me apareceram todos, pontualíssimos e ansiosos para ouvir as propostas que lhes preparei para as férias da Páscoa. Não se entusiasmaram muito com uma delas, mas deram-me oportunidade para explicações... vá lá!

Afinal, não foi difícil convencê-los e num instantinho lá estavamos todos de volta da mesa, eu de papel e caneta em punho, qual eficientíssima secretária, rápida pois, a anotar as sugestões que recebia de rajada.

A proposta de base foi aceite e concordámos todos, nos detalhes. É pois, uma história que temos que criar, cabeças de fantoches que temos que caricaturar, bem como as personagens, que são nada mais, nada menos, nós próprios. Decidimos ainda que a trama terá que rodear a lenda cá do sítio, apimentada com um enigma qualquer. E começamos a desenvolver o projecto com o registo das caracteristicas dominantes das personagens. Foi curiosíssimo.

Surpreendi-me então, com o registo das minhas caracteristicas. Ditadas unanimemente.
A sério que adorei.

Formiguinhas

Há de facto, registos que vão perdurando na nossa memória, uns com base em quase nada, outros com base em muita coisa, outros, nem sabemos com que base. Vão teimando, sem nada podermos fazer. Muitas vezes, surpreendem-nos até… ou pelo tempo que aguentam, ou pelo motivo que ficaram.

De há uns anos a esta parte, há um registo, que eu nem sabia que tinha ficado e que me vai transmitindo estímulos à memória… assim, volta e meia. Eu vi um filme há muitos anos, ainda nem filhos tinha, de que não me lembro o título, nem me lembro dos protagonistas, tão-pouco da história. Apenas, tenho uma vaga ideia do contexto. Seria um daqueles filmes para ser visto por famílias com crianças, numa qualquer tarde de Domingo, na televisão. Tenho ideia de que as personagens fulcrais eram crianças e que a trama, seriam as suas aventuras numa qualquer imensa casa de campo. Lembro-me da mãe, de uma das mães. Lembro-me dessa mãe, resignada ao seu papel de mãe, por isso, uma mãe leve e bem disposta. Lembro-me dela a apanhar brinquedos espalhados pela casa toda. A acumular tudo nos braços e nos bolsos e em todo o lado onde fosse possível acondicioná-los até os devolver ao sítio deles. Acho que entretanto, o telefone tocou, ou a campainha da porta… já nem sei. Sei apenas que não era assunto que a prendesse muito tempo. Mas lembro-me, é disto que me lembro muito bem, dela a insistir na demora da comunicação… sem sucesso. E sobretudo, do desapontamento, perante a sua falta de capacidade em manter o atendimento, o diálogo, enfim… qualquer espécie de comunicação.

- Por favor!... não vá. Espere. Preciso urgentemente de falar com alguém adulto.

Escusado será dizer que o filme era uma espécie de comédia.

Os miúdos são do mais genuíno e transparente que pode haver. Fiáveis, por isso. Gosto de lidar com eles. Gosto de trabalhar com eles. Sei quando lá vem uma birra ou um amuo. Até já sei o que fazer. Reconheço quando têm dificuldades e o como devo proceder para os apoiar. O que eu já não sou capaz é de tranquilizar com a actividade deles. Parecem autênticas formiguinhas, a correr uma para cada lado. Em todos os aspectos. Ávidos de novidades. Ávidos de coisas para fazer. Ávidos para descobrir. Ávidos por movimento. Porra!... que me deixam tonta.