As minhas pernas andavam para a frente, apesar de não saber o destino. Sentia-me cansada, pesada. Era de noite, acho eu. Estava escuro, isso eu sei. Não sei há quanto tempo as minhas pernas andavam para a frente. Meses? Anos? Há muito tempo, seguramente. Volta e meia, cruzava-me com gente. Gente que não conhecia. Com quem não falava. Eu sorria. Eles também… alguns, alguns sorriam. E as minhas pernas continuavam a andar para a frente.
Levei a mão ao cabelo. Estava áspero. Já não me lembrava do meu aspecto. Não havia espelhos. Também, não era importante. Relevante, era que as minhas pernas andavam… para a frente. Estava frio. Estava escuro. E eu, já nem sei se queria chegar. Às vezes apetecia-me desistir, de tão cansada me sentia. Mas as minhas pernas nunca paravam. Não me conseguia sentar, deitar, descansar. Estava sempre de pé e as minhas pernas andavam sempre para a frente. E, no caminho que percorriam, nada me chamava a atenção, nada me despertava o interesse.
Até que vi claridade, ao longe, de um dos lados do meu caminho. Senti os olhos a espelhar. Senti o corpo a espertar. Senti as pernas. Eram minhas de novo e começavam a andar para onde eu queria. Para a claridade. Acho que comecei mesmo a correr. Acho que comecei mesmo a acenar às pessoas com quem me cruzava. Paravam, olhavam para mim, sem perceber o que se passava. Acho que me cruzei mesmo, com um espelho. Vi-me de relance. Não estava assim tão mal, pensei. E corri, corri, corri… em cima das minhas pernas, finalmente para onde eu queria.
Abrandei o passo, porque ouvi qualquer coisa. Eram sinos. Eram sinos, ao longe. Gostei. Sorri. Continuei, trôpega mas decidida. Cruzava-me com gente que acenava, sorria… para mim. Cada vez, mais gente. Cada vez, mais acenos. Cada vez, mais sorrisos. Cada vez, mais luz. Cada vez, mais vontade de chegar.
Deparei-me então com um portão imenso, escuro, velho e fechado. Tentava abri-lo em vão. Desesperava. Sentei-me encostada a ele, esmorecida e escondi o rosto sobre os joelhos. Não sei quanto tempo fiquei assim. Mas voltei a ouvi-los, aos sinos e levantei a cabeça. Levantei o corpo. Afastei-me do portão e olhei por cima dele. Luz. Emocionei-me. Senti o corpo arrepiar. E os meus olhos foram capazes de chorar. Sem esconder as lágrimas, pedi ajuda para abrir o portão, que ninguém tinha visto antes. Juntaram-se quatro ou cinco pessoas e o portão abriu. Eu entrei devagarinho, as pessoas ficaram para trás, acenando, sorrindo, desejando sorte.
Fui andando devagarinho, debaixo daquele sol morno, olhando para um lado, olhando para o outro. Vi a igreja branca. Vi finalmente os sinos. Em frente à igreja, havia uma casa velha. Entrei. Subi as escadas. Ouvi de novo, os sinos, agora cúmplices. Num dos quartos da casa, estavam três camas. Aproximei-me delas. Comovi-me tanto que as minhas pernas fraquejaram. Sentei-me na bordinha da primeira cama e observei-os. Dormiam em paz. Quentinhos. Os meus filhos. Por trás das portadas de madeira espreitava a luz desenhando sombras sobre as camas. Levantei-me, aconcheguei-os, senti-lhes o cheiro do cabelo e apesar de já ser de dia, fui-me deitar. Fui descansar.
Cheguei, finalmente.