domingo, outubro 29, 2006

O culto da dança

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Andava com esta atravessada. Aproveito hoje, que me apetece escrever e “mando para fora”. Tenho-a num cd que oiço pouco. Há uns dias atrás foi o cd que escolhi para ouvir. É a última música. E quando a ouvi, pareceu-me, sem grande certeza, reconhecê-la. À medida que a ouvia mais vezes foram desaparecendo as dúvidas e hoje estou mesmo, convencida que era uma delas. Tentei partilhá-la com alguém. Alguém que tivesse memória e interesse para a ouvir. Acudiste-me
tu (obrigada). Mesmo assim, a imensidão de recordações que ela arrasta, mereceu-me a sua reconversão para palavras. É a esta música que me refiro (a que eu tenho é uma versão de Michael Bolton, por isso, não a reconheci logo):

A Whiter Shade of Pale – Procol Harum
(link para ouvir)

Nasci e fui criada em Moçambique, num bairro dos arredores de Lourenço Marques, onde havia um clube, de seu nome, Clube Recreativo Bairristas de Mavalane (adoro verbalizar esta última palavra). Uma organização de carácter associativo com grande expressão na comunidade. Todos os fins-de-semana havia baile, animado com grupos musicais. Lembro-me particularmente, do Conjunto Feminino composto pois, por 4 raparigas. A vocalista tinha os cabelos compridos loiros e uma deficiência qualquer numa perna. Era nela que se perdiam os meus olhos, deslumbrada, quando não podia dançar.

Não falhava a um baile. Não falhava a um filme. Não falhava a uma festa. O meu pai fazia parte da direcção do clube e este, era a nossa segunda casa. O meu irmão mais novo livrou-se por pouco, de nascer no bar.

Ora, eu escrevi ali atrás “quando não podia dançar” e é aqui que torno a pegar. Adorava dançar. Quase sempre com meninas ou sozinha, raramente com meninos, mas desde que chegava até que saía, só não dançada músicas como esta. Esta e outras, igualmente serenas, eram as danças dos namorados. E era do decorrer delas, que eu me encostava à espera que acabassem para eu poder voltar a dançar. Era o momento da observação. Observava os pares de dançarinos, alguns perfeitamente engrenados, como se em vez de 4, tivessem apenas, 2 pernas. Observava os músicos. Tinha nessa altura, menos de 11 anos.

O culto da dança ficou-me desses tempos. Adoro dançar. Adoro dançar.

Vai longe, muito longe, a sensação de sintonia com um parceiro de dança. E é dessa que eu tenho saudades. É essa que eu queria ensaiar de novo, quase com carácter de urgência, de mais de 20 anos de atraso.

Já foi depois, em Portugal que encontrei parceiros à minha medida. Só me recordo de 2. O primeiro, encontrei-o num clube em Queluz, onde ia com a minha família. Um desconhecido qualquer (alguns anos mais velho que eu, que nessa altura, eu não devia ter mais de 13 ou 14 anos) que depois de me observar a dançar com os meus primos, resolveu experimentar-me. E fez muito bem, porque os nossos pés pareciam ter combinado à nossa revelia, o sítio certo para poisar no chão.

O segundo, o Zé Espanhol, dançava com ele num clube na Calçada do Galvão, em Lisboa. Solidó, assim se chamava o clube. Dançar com este era quase formar uma espécie de vórtice, porque se criava em nosso redor um espaço vazio circundado, que ninguém ousava invadir. Tínhamos os dois, menos de 17 anos.

É curioso observar agora, à distância do tempo, que quando nós, que gostamos muito de dançar, encontramos companheiros de dança à nossa medida, serenamos a procura e não queremos experimentar dançar com mais ninguém. É curioso observar agora, à distância do tempo, que com nenhum destes meus companheiros de dança mantive uma relação de afectividade. E com aqueles que mantive, nunca soube dançar.

Danço. Dancei sempre ao longo da minha vida. Depois da fase dos clubes, as discotecas. Intercaladas, as festas privadas, familiares. Hoje e sempre, na minha casa, sozinha ou com os meus filhos. Companheiros como o Rapaz de Queluz e o Zé Espanhol, nunca mais encontrei. Já lá vão, repito, quase 30 anos.

Essa espécie de cumplicidade quase inata, pela ausência de esforço que a caracterizava, consigo recordá-la frequentemente. Consigo revivê-la quando danço com os meus filhos pequenos, de pernas enlaçadas na minha cintura. E é a expressão de felicidade que lhes encontro no rosto, enquanto rodopiamos, que me faz entender porque é que eu não me esqueci ainda, do Rapaz de Queluz e do Zé Espanhol. A partilha, a cumplicidade, a um nível quase sublime, de um momento feliz.

Definitivamente, há coisas que nos sabem mil vezes melhor, quando as vivemos no reino da cumplicidade. Esse reino, onde nem sempre, temos o privilégio de estar.

8 comentários:

Keratina disse...

Mesmo a calhar.
Por causa da dança, esta noite nem fui à cama. Fechei a pista de dança com o meu "partnaire".
Jinhus.

Anónimo disse...

Ah minha querida, deixaste-me a pensar no que deixei de fazer e porque é que deixei de o fazer.
E uma das principais razões - senao a principal - foi o não ter encontrado parceiros... de dança.
Na "mouche", linda, na "mouche" !:-)

Beijo grande
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Aq disse...

Da próxima vez que nos encontrarmos, levas-me a dançar Kisomba. Combinado? Tens é que arranjar aí uns amigos jeitosos porque esse tipo de música é mesmo para dançar com homens :) Beijo, Fia.

Ui!... não penses no que deixaste por fazer. Eu quando o faço, dá-me vontade de dar com a cabeça nas paredes. Não vale a pena. E parceiros de dança, linda, podem sempre aparecer. É preciso é ir dançar. Junta-te a mim e à Fia :) Beijo, Maria Alfacinha.

PARTILHAS disse...

Olá linda,
Bolas... já tinha saudades destes teus textos...
A dança...
Adoro dançar.

Umas vezes com par, outras vezes sem par... A dança, transmite uma imensa cumplicidade... Quase que; Não se ama, alguém nos pisa, quando dança... ;-)

Deixem-me recuperar... que eu também quero dançar...

Beijos

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Aq disse...

Só aqui, já estamos 4. Mas olha lá... nós as 3, temos que esperar por ti 2 anos, ou não? :) Beijo, miúda.

Anónimo disse...

Pronto... 5!
Já faz uma multidão.

Eu só danço a tocar bateria!
Alguém se junta? :-p

Aq disse...

5? Epá!... vamos pensar nisso para as férias do Natal, Riacho? ;) Beijo grande.

Anónimo disse...

Olá, também, morei nesse bairro e que imensas saudades tenho.
Como era bom voltar a traz e poder recordar os dias felizes que lá passei.